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Três Lagoas, 24 de abril

Quem cala é cúmplice

Confira o artigo presidente nacional do Podemos e deputada federal por São Paulo, Renata Abreu

Por Flávio Veras
06/08/2022 • 11h35
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Há 30 anos, um grupo de supremacistas invadiu o Centro de Tradições Nordestinas (CTN), ameaçou de morte meu pai, José de Abreu, por defender nordestinos, pichou os muros com palavras ofensivas e fez disparos com armas de fogo nas paredes da Rádio Atual, que funcionava no local.

O CTN foi fundado pelo meu pai para mudar o cenário de intenso preconceito e ignorância contra os migrantes nordestinos que residiam na Capital de São Paulo. E a emissora era a única naquela época que só tocava músicas nordestinas.

Então, sei bem o que devem ter sentido Tite e Bless, filhos dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, vítimas de racismo em Portugal. O que devem ter sentido esses pais: medo, muito medo desse tipo de gente que se alimenta do ódio contra negros, africanos, afrodescendentes, latinos, indígenas, judeus, asiáticos, muçulmanos, nordestinos, gays.

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Medo dessa gente que se alimenta do racismo religioso. Medo dessa gente que é contra políticas de inclusão social de grupos marginalizados e contra a miscigenação dos povos, aliás uma das características marcantes da população brasileira. 

 E que mãe se manteria calma vendo seus filhos atacados por uma mulher que exigia a retirada das crianças do restaurante em que se encontravam. Fosse eu no lugar de Giovanna também não ficaria quieta, e, tal qual uma leoa, partiria com unhas e dentes em defesa de minhas crias.

Os horrores vividos por essa família de artistas, assim como tantas outras milhares e milhões de famílias pelo mundo jamais se apagam de nossas memórias. Lembro até hoje do ataque dos skinheads no CTN. Eu tinha a idade de Tite, 10 anos, e sofri anos com pesadelos, sempre acordando assustada com o que poderia ter acontecido com meu pai, com os funcionários e com os frequentadores do local.
 

Meu pai dizia que ficar calado seria como cúmplice. Ele não abaixou a cabeça, procurou as autoridades policiais, fez boletim de ocorrência do atentado, lutou e conseguiu a criação na Capital paulista da primeira Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, especializada no combate ao racismo, homofobia, preconceito e intolerância, sobretudo religiosa. 

Ah, planeta Terra, temos muito ainda que evoluir como humanidade. Porque ainda temos torcedores e jogadores imitando macaco nos estádios de futebol; terreiros de umbanda e candomblé destruídos e devotos surrados; negros mortos a tiros pelo fato de serem negros; crianças em situação de vulnerabilidade social retiradas de shoppings por ‘constranger consumidores’, nordestinos e analfabetos escravizados em bairros nobres de grandes metrópoles; moradores de rua molhados em madrugadas frias porque dormem sob marquises de bairro comercial (ou residencial), e assim são as barbaridades contra essas minorias.

Racismo mata. Preconceito mata. Intolerância mata. Quando não é a morte física, é a morte psicológica, que encurta a vida de negros, pobres, gays, macumbeiros, nordestinos, que morrem lenta e dolorosamente de tristeza e medo.

O passado, infelizmente, ainda se faz presente no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos, na Inglaterra, em todo mundo cujas sociedades se formaram pelo mesmo princípio: há pessoas mais humanas que outras, a depender da cor da pele, da posição social, do nível educacional, da opção religiosa, do sexo e que persistem nos dias atuais. Triste isso. Lamentável!

Vamos virar essa página em nosso País? Apesar da dor e da indignação, vamos juntos construir um futuro mais humano, mais solidário, mais agregador? Apesar das leis existentes, elas só têm eficácia se não nos calarmos mais. Coibir esses crimes não é obrigação apenas do Estado, mas de todos nós. Denuncie o racismo, a intolerância, o preconceito, a desumanidade. Apesar do presente que insiste na discriminação e segregação sociais, podemos juntos construir uma nova era.

 

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