Além da morte, a inexistência

Em alguns anos Walter será deletado e nunca terá existido

A cena do lanche caído ao chão, da moto destruída e do corpo coberto já sem vida será "fruto da nossa imaginação", segundo as leis que regem o caso

14 AGO 2017 • POR Redação • 15h17
Após trabalhar durante o dia fazendo churrasco, Walter entregaria o último lanche da noite, em seu segundo emprego - Foto / Arquivo / JPNEWS

Walter Geraldo de Andrade, 60 anos, churrasqueiro durante o dia e entregador de lanches durante a noite, morto em um acidente de trânsito, onde uma menor de idade ao dirigir embriagada e em alta velocidade atravessou o sinal vermelho e atingiu sua moto, arremessando a vítima ao alto, girando no ar até cair dentro de um córrego, deixará de existir para as leis brasileiras dentro de alguns anos. Aos 15 anos, a menor de idade, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não tem plena capacidade de julgamento, não poderá ser responsabilizada pelo seu ato e, após cumprimento de 'medida socioducativa', terá sua 'ficha limpa', sem registros deste caso, como se Walter não tivesse existido. Daqui um tempo, aquela noite de sexta-feira em que o último lanche que Walter entregaria não foi entregue e ficou caído ao chão em meio aos destroços de sua moto será “ilusão”, será “imaginação”. Para as leis que regem este caso, a morte de Walter foi um ‘ato infracional’ – suavizando o fato - e a menor foi vítima de sua própria “incapacidade” de julgar e definir o que é certo e errado. É como se Walter estivesse errado em ter passado por ali naquele momento. Na verdade, tudo está errado, menos um menor de idade.