entrevista

Pesquisadora da UFMS contesta cadastramento de famílias no Cinturão

Coordenadora Maria Celma Borges acredita que loteamento está mal avaliado pelos técnicos da Prefeitura

1 OUT 2017 • POR André Barbosa • 06h15
Cerca de 30 universitários e professores coletam dados no local, desde junho - Divulgação/ Assessoria

A coordenadora do Projeto de cadastramento socioeconômico das famílias do Cinturão Verde e levantamento cartográfico feito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Maria Celma Borges contesta os dados preliminares divulgados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agronegócios. Em entrevista ao Jornal do Povo, aponta que a pesquisa em andamento pela pasta do município foca apenas famílias rurais que comercializam seus produtos, se abstendo das que produzem para consumo próprio. A docente afirma ainda, que deve entregar no início do mês de outubro, um relatório completo sobre a área e seus moradores ao prefeito, solicitando a inclusão dos dados no material a ser entregue à Justiça, em dezembro.

Como surgiu a ideia de realizar o cadastramento do Cinturão Verde?

Maria Celma – “O projeto de cadastramento do Cinturão Verde desenvolvido pela UFMS, Campus de Três Lagoas acontece após solicitação de duas Associações do Cinturão, a Aspotrês e a Germinar. O intuito é o de contribuir com instrumentos que possam fundamentar a permanência das famílias que vivem da produção de alimentos na área do Cinturão Verde, no município de Três Lagoas, haja vista a imposição de um TAC (Termo de Ajustamento e Conduta) emitido pelo Ministério Público Estadual para que a Prefeitura Municipal regularize a situação da área”.

Quando começou o Projeto e quando deve ser concluído?

O trabalho de extensão teve início entre os meses de Junho e Julho de 2017, sob a orientação de uma equipe de profissionais de diversas áreas (História, Geografia e Direito), que se articularam num processo sistematizado e utilizando metodologia de trabalho de campo, para que o maior número de famílias que ali residem fosse pesquisado, mas não a partir de uma mostra censitária e sim por quadrantes. Objetiva-se concluir este projeto no mês de Dezembro de 2017.

Qual foi a metodologia aplicada com os moradores?

Dos 184 lotes do Cinturão Verde, foram aplicados 112 questionários (cerca de 70% dos lotes do Cinturão), abrangendo questões acerca da produtividade do lote e da relação das famílias com a terra, entre outras informações. No momento, estamos sistematizando os dados coletados e realizando o trabalho de coleta de relatos, por meio da história oral.

E o que foi levantado até agora?

A ação de extensão tem mostrado a diversidade de famílias que ali residem, assim como as suas características de produção (hortifrutigranjeiro) e de plantio para o autoconsumo. Porém, como nos contam as famílias que vivem e produzem no Cinturão Verde, estas têm sido constantemente ameaçadas por especulações de órgãos municipais e de empresas privadas, que desejam deter este espaço para si e pelo que ele pode propiciar, a exemplo de investimentos privados, bem como acabar com a função social da terra, ao vislumbrarem a ocupação da área para outros fins que não o da produção de alimentos. Segundo os moradores e produtores da área, o contrato de comodato realizado pela prefeitura, para que eles possam continuar trabalhando e vivendo no Cinturão Verde, não tem sido renovado desde 2012, quando de seu vencimento, conforme ocorria anteriormente. Este, por si só, é um dos percalços que pode reforçar a ideia de que não há empenho dos órgãos responsáveis para resolver a situação de instabilidade e temor vividos por essas famílias, o que, consequentemente, pode resultar em prejuízo ainda maior para as mesmas.

Ainda assim, há quem ocupe o lote e não produz?

No trabalho de campo, constatamos problemas como alguns lotes que não estão sendo ocupados - ou que foram abandonados por um ou outro motivo, seja por questão de precariedade da saúde do comodatário ou outros fatores. E esta constatação é fundamental para que a Prefeitura e seus órgãos responsáveis acompanhem e deem uma destinação social aos mesmos. Partimos da premissa de que, possivelmente, haja uma lista de espera de produtores para o Cinturão Verde ou mesmo que se realoque famílias que estão dividindo uma mesma área de um hectare.

Os dados que o Projeto coletou até o momento, diferem em que, dos apresentados pela Secretaria Municipal de Agronegócios?

Reforçamos que a afirmação de que, “de 35 lotes apenas 5 são produtivos”, informação do engenheiro agrônomo da Semea, Manoel Latta Ernandes, que, em seguida, afirma que, “o levantamento teve início na semana passada e é realizado juntamente com o Centro de Referência e Assistência Social (Cras) da Vila Piloto e professores e alunos da UFMS, como noticiou uma matéria do Jornal do Povo, no dia 16 de setembro de 2017, não condiz com a realidade que vimos observando. Nós do projeto de extensão da UFMS/CPTL não somos responsáveis por esses dados, pois, como destacado anteriormente, o nosso levantamento vem apontando a existência de produção na maior parte dos lotes visitados e também há de se indagar o significado do que é ser produtivo. Em nosso entendimento, produzir para o autoconsumo, por si só, justifica a permanência na área e isto temos constatado em loco. Também há produção para o comércio, para a entrega em projetos como PNAE, PAA, para a venda na feira e nas ruas, entre outras situações.

Como o Projeto da UFMS poderá beneficiar as famílias do Cinturão?

Partindo dessas constatações, percebemos não apenas o desinteresse por parte dos responsáveis do município de Três Lagoas em fazer com que as famílias permaneçam na área, mas também é possível observar o desconhecimento da comunidade local em relação ao Cinturão Verde, seja pela forma como o noticiário costumeiramente se refere à área, de forma pejorativa, ou mesmo pela falta de políticas públicas que favoreçam a visibilidade da produção alimentar dessas famílias nesse cenário. Espera-se que projetos de extensão, como o que estamos desenvolvendo, que visem trazer instrumentos científicos e conscientização para a importância desta área e das famílias que lá estão, contribuam para que o Cinturão Verde possa ser conhecido em suas potencialidades e estas famílias não tenham que, forçosamente, abandonar esta área e a sua história. Ou o que é ainda pior, o protagonismo que as fazem lutar por um presente e um futuro digno e seguro.

A coordenadora finaliza a entrevista, afirmando que agendou para o dia 3 de outubro, reunião com o prefeito de Três Lagoas, Ângelo Guerreiro, a fim de lhe apresentar os dados coletados no Projeto e cobrar uma postura associada aos moradores que produzem para consumo próprio, no Cinturão Verde.

A Diretoria de Comunicação da Prefeitura não confirmou o evento.