Entrevista

'Suicídios estão ligados a sofrimento'

Psicóloga diz que é preciso avaliar o histórico do suicida por antecedência, com sinais e indicações da intenção de se matar

15 SET 2018 • POR Talita Matsushita e Lucas dos Anjos • 11h30
Psicóloga diz que é preciso avaliar o histórico do suicida por antecedência, com sinais e indicações da intenção de se matar - Arquivo pessoal

No Brasil, um suicídio ocorre a cada 45 minutos.  Dados mundiais indicam que ocorre uma tentativa a cada três segundos e um suicídio a cada 40. Provocar o fim da própria vida está entre as principais causas das mortes entre jovens, de 15 a 29 anos. No esforço para mudar esses números, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu que 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Há quatro anos, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) promovem a campanha nacional Setembro Amarelo.

A psicóloga Renata Bellenzani, especialista em psicologia clínica, mestre em psicologia social e doutora em medicina preventiva pela USP, diz que suicídio sai da invisibilidade em setembro, mas alerta que a abordagem, no geral, é médico-psiquiátrica. 

Jornal do Povo – O suicida tem um perfil definido?
Renata - A ideia de que há um “perfil suicida” é bastante delicada e merece aspas. Pensar em perfis serve didaticamente, mas pessoas são únicas e seus comportamentos não podem ser entendidos fora de suas condições de vida e cultura. Ou seja, não existe perfil suicida único, existem pessoas vivendo suas vidas com mais sofrimento do que aguentam, dentro de nossa sociedade, nesse tempo histórico. E se buscam morrer, expressam isso de diversos modos. É preciso entender a relação indivíduos-sociedade. Algo central dessa relação são os modos possíveis e não possíveis de “ganhar a vida”, de trabalhar e tudo que fazemos e sentimos para dar conta das nossas necessidades da vida. Levando isso em consideração, podemos entender os motivos atuais do aumento do número de pessoas que tentam tirar sua vida. 

JP - Qual a diferença na tomada de decisão entre  homem e mulher?
Renata – Para entender isso, a noção de gênero nos ajuda: força, determinação e objetividade são incentivados aos homens e se manter bela, às mulheres. Isto ajuda a analisar que entre elas há um maior número de tentativas de morrer por meios que não as desfigurem, na face e no corpo. Por exemplo, por ingestão de medicamentos e venenos. Entre eles há “mais efetividade” do ato porque utilizam mais as armas. 

JP - Quando falamos que a pessoa quer acabar com a dor, essa dor é algo que acontece há  anos,  ou pode ser algo de momento? Quando que de fato esse suicida em potencial decide tirar a vida?
Renata – Não podemos negar motivos e personalidades das pessoas, mas a esfera da individualidade é parte de uma determinação mais coletiva. Esta age mais fortemente, e se articula com as particularidades. Duas situações são mais gerais: uma quando as pessoas estão mais conscientes, planejam e tomam uma decisão [de morrer], outra quando ocorre um ato impulsivo, em geral numa situação de crise, não crise psiquiátrica somente, crise no sentido de tensionamentos: há problemas e a pessoa se sento só, não se sente capaz, ou não lhe estão acessíveis os meios e as condições para enfrentar o problema. Em geral, há acúmulo de tristezas e de problemas que geram frustrações, ou perdas que não foram elaborados psicologicamente. Num momento de desesperança, o foco do pensamento pode ser o de tirar a própria vida, pois esta perde o sentido ou torna-se insuportável. A dor é muito grande e ela anseia por acabar com ela.

JP - Quais as formas de ajudar e como agir?
Renata - O principal é que as pessoas precisam ser escutadas, apoiadas na resolução das crises, não criticadas e culpabilizadas, com tom punitivo, de julgamento, como se o pensamento de morrer fosse crime, pecado ou fraqueza moral. Contudo, nosso tipo de sociedade valoriza menos a solidariedade e mais a competitividade e o individualismo. Em caso de sofrimentos mais acumulados em geral é indicado um suporte profissional, além do apoio de amigos e família. É preciso efetivar as políticas públicas na área social e de saúde mental. Ajudar a pessoa a entender que o que se passa com ela, a vontade de morrer, não é gerado nela e por ela, “do nada”, mas sim num processo que envolve a vida mais ampla, é um bom começo. E mudar essa vida mais ampla, a economia e a política, é o grande passo a darmos.