Entrevista

Deixar de adaptar ambientes para PCD é crime de discriminação, explica juíza

Locais de trabalho precisam ser adaptados e vagas de emprego devem incluir Pessoas com Deficiência

19 SET 2021 • POR Loraine França • 06h00

Dados do Núcleo de Fiscalização do Trabalho apontam que, em Mato Grosso do Sul, 267 empresas não cumprem com a Lei de Cotas, que estabelece, dentre outras regras, a obrigação de empresas com mais de 100 funcionários, a contratarem pessoas com deficiência. A legislação prevê, ainda, adaptação dos ambientes para garantir acessibilidade. A reportagem conversou com a juíza e vice-presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal Regional do Trabalho, Déa Brandão Cubel Yule, sobre o assunto. Confira a íntegra.

Em Mato Grosso do Sul, 267 empresas não cumprem a Lei de Cotas e, 47 cumprem a regra. O que esses números representam? 
déA Ainda estamos em um processo de mudança de paradigma, apesar da legislação não ser nova. Nós temos no Brasil, segundo o IBGE, informações de que apenas 1% das pessoas com deficiência estão no mercado de trabalho. Ou seja, nós temos declaradas como pessoas com deficiência, 24% da população brasileira. Desse total, apenas 1% está no mercado de trabalho. Esse número estadual [267 empresas que não cumprem a lei de cotas] retrata essa projeção nacional. Não é uma questão local, mas é algo que precisa ser mudado a nível nacional.

O que pode ser feito para mudar esse cenário?
Déa Precisamos, enquanto instituições, como Justiça do Trabalho, Superintendência, Ministério Público e outras, como a imprensa, passar a orientação de que a inclusão é um dever de todos nós. Não é uma luta mais da pessoa com deficiência. É uma luta de toda a sociedade porque uma sociedade evoluída e sustentável só pode existir onde tem a plena inclusão, onde todos sejam tratados com dignidade e igualdade de condições. 

Em relação à mobilidade, o que podemos dizer sobre às adaptações que as empresas precisam fazer para que as pessoas consigam ter essa mobilidade dentro do mercado de trabalho? 
Déa O que chega para a Superintendência Regional do Trabalho, de não acessibilidade e barreiras, vem da própria empresa, como tese da defesa. Geralmente, alegando que não emprega porque não tem condições de acessibilidade, seja arquitetônica ou comunicacional. Aponta isso como defesa no sentido de dizer que não tem o dever de ser acessível. Por isso, o desconhecimento legislativo faz com que o empregador ou a empresa se desvincule da sua função, que está no artigo 170 da Constituição Federal, que diz que a empresa tem que cumprir seu papel social. 

A legislação diz que a adaptação é dever do empregador, da empresa. Não adaptar é considerado crime de discriminação. E a legislação diz que temos, enquanto empresa, de fazer adaptação razoável. Não vou demolir, por exemplo, um prédio inteiro, mas vou fazer uma rampa.

A legislação existe há 30 anos e pelo que entendemos, as empresas preferem ser multadas ao invés de fazer as adaptações? 
Déa Muitas vezes, sim. Ou, elas oferecem vagas para ampliar cota. Nós temos a notícia de uma empresa que contratou 50 pessoas com deficiência em carga horária de duas horas, com salário proporcional. Ou seja, em nítida discriminação, porque daí a empresa cumpre a cota, contrata mas não inclui. Empregar é diferente de incluir e a lei diz “inclusão” e não “empregabilidade”. Não basta colocar a pessoa na empresa para cumprir a cota e não dar oportunidades de crescimento, de trabalho. Essa visão precisa ser mudada.