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TRATAMENTO DO DIABETES

Audiência na ALEMS reúne especialistas e famílias por acesso a sensor de glicose no SUS

Audiência na ALEMS discute programa estadual para ofertar sensor digital a crianças e jovens com diabetes tipo 1 pelo SUS.

Crianças, famílias e especialistas defendem sensor digital para diabetes tipo 1 em audiência pública na ALEMS
Audiência pública na Assembleia Legislativa de MS reuniu médicos, pais, pacientes e gestores para defender o sensor digital na rede pública para pessoas com diabetes tipo 1.

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul realizou audiência pública para discutir a inclusão do sensor digital de monitorização contínua da glicose na rede pública para pessoas com diabetes tipo 1. Conduzido pelo deputado Paulo Corrêa, o encontro reuniu médicos, nutricionistas, enfermeiros, pais, pacientes, representantes de associações e gestores municipais e estaduais de saúde, que defenderam a criação de um programa estadual permanente voltado, inicialmente, a crianças e adolescentes.

Começou na Câmara dos Vereadores

Logo na abertura, Paulo Corrêa explicou que a pauta nasceu de uma audiência anterior na Câmara Municipal de Campo Grande, proposta pelo vereador Ronilson Guerreiro, e de uma experiência pessoal com o sensor. “Eu usei o aparelho por 15 dias como cobaia e entendi, na prática, como essa tecnologia muda a vida de quem convive com o diabetes”, relatou o deputado. Segundo ele, a intenção é “usar o alcance da Assembleia, da TV e da Rádio ALEMS para conscientizar a população e construir uma política pública para todo o estado”.

O vereador Ronilson Guerreiro lembrou que a mobilização começou a partir da Associação DM1, representada por Lenine de Oliveira Rocha Júnior, pai de uma criança com diabetes tipo 1. “Só quem fura o dedo até 10, 11 vezes por dia sabe o quanto isso é desafiador”, disse. Ele destacou que apresentou um projeto de lei em Campo Grande para obrigar o município a oferecer o sensor digital e que já há recurso reservado para um projeto piloto. “Cada vereador colocou um pouco de suas emendas e conseguimos quase R$ 500 mil para 2026. É pouco, mas é um começo”, afirmou, ao defender que o sensor “não é caro pela qualidade de vida que oferece”.

Análise da Cassems

Na parte técnica, o cardiologista Dr. Ricardo Aashi ressaltou que o diabetes vai muito além de números em exames. “Diabetes não é só estatística, é uma realidade dura, com grande impacto em mortalidade e em outras doenças graves”, alertou. Ele elogiou o histórico do deputado em programas de prevenção, como o projeto Onça Pintada, e defendeu que o mesmo esforço seja direcionado agora para o controle do diabetes. “Com diagnóstico precoce, tratamento adequado e monitorização contínua, é possível reduzir drasticamente complicações”, completou.

Especialista explica a doença

Já a endocrinologista Dra. Bianca Paraguaçu Corrêa, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia – Regional MS, detalhou as diferenças entre os tipos de diabetes e concentrou a fala no tipo 1, que exige uso de insulina por toda a vida. “No diabetes tipo 1, o pâncreas deixa de produzir um hormônio vital, a insulina. Não existe viver sem insulina”, lembrou. Em seguida, ela comparou o sensor digital ao painel de um veículo. “O monitor contínuo é como o velocímetro do carro. Sem ele, o paciente dirige no escuro. Com o sensor, a pessoa enxerga a glicose 24 horas por dia, inclusive enquanto dorme”, explicou.

A médica destacou ainda que o sensor registra a glicose no líquido intersticial e envia dados em tempo real, permitindo setas de tendência que orientam decisões imediatas. “Se a criança vai dormir com glicose 80 e uma seta apontando para baixo, ela sabe que precisa comer. Com o furo no dedo, essa queda de madrugada não aparece”, exemplificou. Para Bianca, a tecnologia reduz hospitalizações, melhora sono, humor e disposição. “Nós não estamos oferecendo luxo. Estamos falando do mínimo para garantir uma vida digna a quem tem diabetes tipo 1”, frisou.

Experiências e Impacto do Sensor de Glicose

A endocrinologista pediátrica Dra. Ana Carolina Pereira, do Hospital Universitário, levou a experiência com crianças muito pequenas e adolescentes. “Hoje, a meta é manter a hemoglobina glicada em torno de 7%. Acima disso, aumentam muito as chances de cegueira, doença renal e problemas neurológicos”, explicou. Ela lembrou estudo clássico que mostrou queda importante em complicações quando o controle é intensivo. “Os meus pacientes que não têm acesso ao sensor ficam com hemoglobina glicada em 9, 10, 11. Já as crianças que usam o monitor contínuo conseguem chegar perto da meta”, relatou. Em um dos casos citados, um bebê que abriu o quadro com menos de um ano de idade reduziu a hemoglobina glicada para a faixa de 7,4 após iniciar o uso do sensor. “Se não controlarmos agora, teremos uma geração de adultos com complicações graves que vão sobrecarregar o sistema de saúde”, advertiu.

A nutricionista Valquíria Cruz Vieira Soares, com 15 anos de atuação em diabetes, levou números e análises econômicas. Segundo ela, o estado tem população próxima a 3 milhões de habitantes, com dezenas de milhares de pessoas já diagnosticadas com diabetes e muitas outras subnotificadas. “Quando somamos pacientes, pais e cuidadores, estamos falando de centenas de milhares de pessoas impactadas diariamente”, destacou. Valquíria descreveu o desgaste emocional das famílias, especialmente em relação ao furo constante na ponta dos dedos das crianças. “É a dor no dedo do filho e a dor no coração de quem precisa furar”, resumiu.

A nutricionista comparou gráficos de duas pacientes com perfis semelhantes, sendo uma usuária apenas de fitas e outra com sensor há um ano. “A paciente com libre consegue agir quando o sensor avisa que a glicose está subindo ou caindo, fica mais tempo na faixa-alvo e reduz o risco de internação”, afirmou. Ela ainda apresentou estimativas de custo, demonstrando que internações por complicações graves custam muito mais ao SUS do que investir preventivamente no sensor. “Paciente sem controle é paciente sem tratamento. E o sensor é o GPS que devolve rumo à vida dessas pessoas”, concluiu.

Família e desafios

O pai e empreendedor Lenine de Oliveira Rocha Júnior, tesoureiro da Associação DM1, deu um dos depoimentos mais fortes ao se definir como “pai pâncreas”. “Nós somos o pâncreas dos nossos filhos. Fazemos conta o tempo todo: quanto de insulina para corrigir, quanto para a banana, quanto pesa cada alimento”, descreveu. Ele relatou noites em claro após o diagnóstico da filha e o impacto do sensor na rotina da família. “Hoje eu acompanho a glicose dela pelo celular. Se estiver caindo ou subindo, eu intervenho. Sem o sensor, isso seria praticamente impossível”, contou.

Lenine também levou dados sobre expectativa de vida e custos. “Sem tratamento adequado, a expectativa de vida de quem tem diabetes tipo 1 cai drasticamente. São anos de vida saudável perdidos por complicações e morte prematura”, alertou. Em seguida, apresentou uma projeção para o estado. A partir de estimativas da associação, calculou o número de crianças e adolescentes com DM1 e o custo anual dos sensores, comparando com os gastos atuais com internações. “Mesmo se a pessoa ainda precisar ser internada, quem usa sensor custa bem menos ao sistema. Nós não estamos falando de despesa, estamos falando de economia”, enfatizou.

Impacto e Necessidades no Cotidiano de Pacientes e Familiares

Os relatos pessoais deram rosto às estatísticas. A enfermeira Fabiana Cavalcante, que há sete anos acompanha crianças e adolescentes com diabetes tipo 1 no serviço público, lembrou que as complicações já são realidade. “As consequências que a gente costuma associar ao futuro — problemas nos rins, na visão, dificuldades para andar — já aparecem hoje no ambulatório. Não é mais previsão, é o que estamos vendo”, relatou. Ela defendeu que, além da saúde, a educação, o esporte e a assistência social entrem na discussão. “A escola precisa entender de diabetes. Muitas vezes é lá que a hipoglicemia acontece e não dá tempo de o pai chegar”, pontuou.

A paciente Daniele de Azevedo Silva, 35 anos, convivendo com diabetes tipo 1 há 25, falou sobre a transição entre o controle por ponta de dedo e o sensor. Ela descreveu episódios de hipoglicemia grave na adolescência, inclusive uma crise à noite em que chegou a 25 de glicemia e só foi salva pela intuição da mãe. “Antes do sensor, eu não tinha segurança de morar sozinha. Hoje eu tenho. O sensor me dá qualidade de vida, mas, principalmente, segurança de vida”, afirmou. Daniele contou que a mãe continua acompanhando seus dados pelo aplicativo e alerta quando percebe algo errado. “Com o sensor, a minha glicemia deixou de ser montanha-russa o tempo todo”, resumiu.

A adolescente Camila Moura Pereira, de 12 anos, emocionou o plenário ao explicar seu cotidiano. “Muita gente acha que diabetes é só não comer açúcar, mas não é assim”, começou. Ela lembrou que depende da insulina para viver e precisa calcular tudo o que come. “Enquanto outras crianças pegam o lanche e comem sem pensar, eu tenho que medir, contar carboidrato e conferir a glicemia”, disse. Camila comparou o sensor com o método tradicional.

“Com o libre, são dois furos por mês. Com a ponta de dedo, são cerca de 300 por mês”, destacou. Na parte final, fez um apelo direto: “Viver com diabetes tipo 1 exige coragem todos os dias. A gente não escolheu ter diabetes. Então eu peço que olhem para nós com carinho e nos ajudem a ter uma vida mais segura”.

Apoio Governamental e Próximos Passos

Na reta final da audiência, o defensor público Mateus elogiou a clareza do debate. “Hoje ficou muito claro o que precisa ser feito, com respeito às pessoas com diabetes tipo 1 e ao dinheiro público”, avaliou. Ele destacou que a Defensoria Pública está à disposição para apoiar os encaminhamentos necessários, inclusive em relação ao acesso às tecnologias pelo SUS. Para ele, a audiência também tem papel de informar a sociedade sobre essas ferramentas e estimular que os usuários busquem seus direitos.

Representantes da gestão municipal e estadual reforçaram o compromisso em avançar. Bárbara Medeiros Dantas, da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, lembrou que o município já distribui insumos para automonitorização por glicosímetro e que a principal barreira para o sensor é o financiamento. “Nós queremos estudar a viabilidade dessa tecnologia. O recurso é o que esbarra, mas estamos abertos para construir esse caminho, ainda mais com emenda impositiva já prevista para o projeto piloto”, afirmou.

Do lado do estado, a enfermeira Andreia, coordenadora de doenças crônicas da Secretaria de Estado de Saúde, informou que a pasta já iniciou uma linha de cuidado para diabetes e hipertensão e aplicou questionário aos municípios para mapear casos de diabetes tipo 1 e fornecimento de insumos. “O secretário pediu um cálculo específico para o tipo 1, baseado em dados reais. Estamos com mais de 60% dos questionários respondidos e caminhando para essa análise”, explicou. Ela reforçou que o tema envolve custos, mas também prevenção. “Quando se junta Secretaria de Saúde, profissionais, associações e Assembleia, os resultados tendem a ser muito melhores”, avaliou.

A secretária de Saúde de Bonito, Ana Carolina Cola, também representando o COSEMES (Conselho de Secretários Municipais de Saúde), colocou a entidade à disposição para acelerar o levantamento de dados. “Em uma reunião, conseguimos disparar formulários e ter respostas em pouco tempo. Conte com o COSEMES para detalhar quantos pacientes tipo 1 existem em cada município e quem já recebe sensor”, afirmou. Ela adiantou que o tema entrará na pauta da próxima reunião do conselho.

Nos encaminhamentos finais, Paulo Corrêa propôs um roteiro de trabalho. Em primeiro lugar, a conclusão do levantamento com todos os 79 municípios, com apoio do COSEMES e da Secretaria de Estado de Saúde. Em seguida, a construção de uma proposta de programa estadual para financiar o sensor digital para pessoas com diabetes tipo 1, começando por crianças e adolescentes, com custo detalhado e fontes de recursos definidas. “Para pedir R$ 5 ou R$ 10 milhões, nós precisamos de números certos, não de chute”, reforçou o deputado. Ele também anunciou uma nova reunião para o início de fevereiro, já com dados consolidados, a presença dos secretários municipais de saúde e participação ativa da Associação DM1.

Ao encerrar a audiência, o deputado resumiu o espírito do encontro. “Estamos construindo um programa de governo voltado para o diabetes tipo 1. O que vimos hoje mostra que tecnologia salva vidas e, ao mesmo tempo, pode economizar recursos públicos”, disse. Em seguida, agradeceu a médicos, famílias, entidades e gestores e deixou um compromisso. “Se conseguirmos transformar tudo isso em política de Estado, Mato Grosso do Sul poderá ser referência nacional em cuidado às pessoas com diabetes tipo 1”, concluiu, sob aplausos.