Veículos de Comunicação

Opinião

Salários maiores não significam desenvolvimento

Artigo publicado na edição deste sábado (15) do Jornal do Povo

Adriano Hany Reis Isoud é Diretor de Jornalismo do Grupo RCN de Comunicação
Adriano Hany Reis Isoud é Diretor de Jornalismo do Grupo RCN de Comunicação

Quando o IBGE divulga tabelas e percentuais, parece coisa distante da vida. Mas, desta vez, os números do Cempre 2023 falam sobre Mato Grosso do Sul, sobre o seu salário, o emprego, a luta do pequeno empresário e as desigualdades que ainda pesam no nosso estado.

Em 2023, Mato Grosso do Sul registrou salário médio de R$ 3.589,58, o 4º maior do país. Na média, o trabalhador formal aqui recebe cerca de 2,8 salários-mínimos. A massa de salários e outras remunerações chegou a R$ 29,1 bilhões, crescimento de 16,56% em relação a 2022. Ao mesmo tempo, o número de empresas e organizações formais subiu de 119,7 mil para 128,3 mil. São quase 150 mil unidades locais, com forte concentração em Campo Grande e Dourados, sustentando 783,8 mil pessoas ocupadas diretamente nessas estruturas. No total, o estado soma 981,6 mil pessoas ocupadas. Ou seja: tem mais gente trabalhando e mais renda circulando.

Mas basta olhar um pouco além da média para ver os incômodos. O primeiro é a escolaridade. Cerca de 76% dos assalariados não têm nível superior. Eles seguram o balcão do comércio, alimentam a indústria, fazem o serviço acontecer. Mesmo assim, receberam em média R$ 2.443,31. Quem tem diploma universitário ganhou R$ 7.079,03. Em outras palavras: quem não concluiu o ensino superior ficou com apenas 34,5% do salário de quem conseguiu se graduar. Em salários-mínimos, isso é 1,9 contra 5,4. Muita gente trabalha, mas continua patinando para fechar as contas.

A desigualdade entre homens e mulheres também aparece com força. Em 2023, os homens ganharam, em média, R$ 3.693,73; as mulheres, R$ 3.476,26. A diferença, que já existia, aumentou para 6,2% a favor deles. E isso num cenário em que elas representam 47,3% das pessoas ocupadas. Enquanto eles dominam áreas como Construção, Indústrias extrativas e Eletricidade e gás, elas se concentram em Educação, Saúde e serviços financeiros – setores essenciais, mas que nem sempre pagam os melhores salários.

A estrutura do nosso mercado de trabalho ajuda a entender por que essa conta não fecha. Mais de 92% das empresas em Mato Grosso do Sul têm até nove pessoas ocupadas. É o pequeno comércio, o prestador de serviço de bairro, a microempresa que segura emprego em todas as cidades. Só que quem concentra os salários e boa parte dos empregos assalariados são as grandes organizações e o setor público. Empresas com 250 pessoas ou mais representam apenas 0,2% do total, mas respondem por quase metade dos assalariados e por 66,5% da massa de salários. Nessas grandes, o salário médio é de R$ 5.172,06; nas menores, com até quatro pessoas, cai para R$ 1.655,81. A administração pública representa menos de 1% das organizações, mas paga 50,5% de todos os salários do estado.

O retrato que os números trazem é duplo. De um lado, é verdade que Mato Grosso do Sul hoje oferece um dos melhores salários médios do país e gera mais empregos formais. De outro, boa parte dessa renda está concentrada em poucas estruturas grandes, enquanto a imensa maioria das empresas luta para sobreviver pagando bem abaixo da média. Some-se a isso a diferença entre quem estudou mais e quem não teve essa chance, e a desigualdade entre homens e mulheres, e fica claro que ainda há muito a ser corrigido. Por isso, mais do que comemorar posição em ranking, esses dados precisam orientar políticas concretas: educação e qualificação para quem está na base, apoio real às micro e pequenas empresas e enfrentamento da desigualdade salarial de gênero. No fim do dia, não estamos falando de planilha, e sim da vida de quem acorda cedo para fazer Mato Grosso do Sul acontecer.

* Adriano Hany Reis Isoud é Diretor de Jornalismo do Grupo RCN de Comunicação