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Entrevista

Biotecnologia tira da natureza soluções para a saúde, agricultura e indústrias

Em busca de remédios ou insumos para a produção, os recursos naturais são o melhor ponto de partida

Suzana > O conhecimento tradicional pode servir como bússola para a ciência - Luciene Arakaki/CBN
Suzana > O conhecimento tradicional pode servir como bússola para a ciência - Luciene Arakaki/CBN

Educação, pesquisa, conhecimento e ciência. Neste momento, estamos acompanhando milhares de pesquisadores em todo o mundo, se debruçando sobre incontáveis situações de pesquisa para tentar encontrar, por exemplo, a vacina contra a Covid-19. É claro que o coronavírus ganhou destaque, mas as pesquisas não param. Outros medicamentos também estão sendo pesquisados a todo momento. E você sabe quais são os caminhos para se criar um novo medicamento? Qual o trabalho de pesquisa e ciência existe em cima disso? Esse é o tema da entrevista com a coordenadora do programa de mestrado e doutorado em biotecnologia, da Universidade Católica Dom Bosco, Suzana Moreno, concedida ao jornalista Ginez Cezar. Confira os principais trechos.

Dra. Suzana, o que é biotecnologia?

Suzana Moreno De uma forma muito simples, biotecnologia significa transformar bactérias, produtos advindos de animais, plantas, em outros produtos e processos que tenham algum interesse na sociedade, como por exemplo, um medicamento, um novo tipo de alimento, cosmético, biocombustíveis. Isso é biotecnologia.

Como funciona a engrenagem das pesquisas nas universidades e qual o avanço nos últimos anos?

Suzana O que muitas pessoas não sabem é que praticamente todo conhecimento, toda pesquisa que é gerada no mundo vem da universidade. Inclusive das universidades que estão ao nosso redor. Na UCDB, no nosso programa, temos a biotecnologia aplicada à agroindústria, à saúde humana e animal  Nosso foco é obter produtos da biodiversidade que sejam aplicáveis a essas áreas, como por exemplo, medicamentos.

Essa história dos medicamentos é extremamente longa. Entre a descoberta de uma molécula que tem um potencial para se tornar um medicamento e ela conseguir ir para a prateleira, leva de 10 a 15 anos e sendo também um processo muito caro. O interessante é que a cada dez mil moléculas que testamos, uma terá o potencial de se tornar um medicamento.

Então é por isso que há a demora para uma comprovação de efetividade?

Suzana Exatamente. Nós precisamos trabalhar com rapidez, escala, para testar o maior número possível de moléculas e, lógico, estamos sempre tentando encontrar fórmulas para tornar esse processo mais eficiente. Nós trabalhamos com, por exemplo, conhecimentos tradicionais, aquela cultura do homem do campo, das comunidades tradicionais, as veze esse tipo de informação acaba acelerando esse processo, que é aquele conhecimento que já existe, mas ainda não é comprovado cientificamente.  Pode servir como bússola para pegar a trilha e conseguirmos validar um princípio ativo novo. E nós temos trabalhado fortemente com isso, na UCDB temos patentes de novos compostos que estão nessa fase para se tornar um medicamento.

Do ponto de vista de pesquisa científica, a biotecnologia ainda é conhecimento recente. Mas houve, nos últimos vinte anos, em relação aos equipamentos tecnológicos, uma evolução que ajude o pesquisador a ser mais rápido nas descobertas?

Suzana O avanço da pesquisa não se dá apenas pela descoberta, mas também pre meio desenvolvimento de bases e equipamentos. Hoje trabalhamos com testes robotizados que nos dão a capacidade de testar um número muito maior de substâncias. São equipamentos muito mais sensíveis. Então, essa evolução de base tecnológica, que inclui muita engenharia, equipamentos pesados e recursos, nos fornece ajuda para o resultado. No caso da Covid-19, isso é um aspecto extremamente importante na pesquisa, que esse sucesso que temos obtido e visto da possibilidade do surgimento de uma vacina, em um tempo menor, vem da cooperação e pesquisa de base. 

Por que o Brasil, hoje, tem uma situação muito favorável neste sentido e está conduzindo pesquisas? 

Suzana Porque nós temos uma ciência básica de qualidade. Ninguém parte do zero e atinge um produto pronto. Os pesquisadores brasileiros, a despeito muitas vezes de falta de recursos, têm investido firme na pesquisa de base. É aquela que não gera o produto imediatamente, mas quando vem a demanda, como veio a Covid-19, tem a base para construir um produto como a vacina.

É o alicerce consolidado da pesquisa?

Suzana Isso. Nós não podemos só falar de pesquisa aplicada. Eu quero o medicamento pronto, uma vacina, mas com um forte alicerce temos sustentação para depois resolvermos outros problemas, outras doenças, outras demandas na área de saúde humana, na pecuária, na agricultura. 

Doutora, eu gostaria de saber mais sobre a matéria prima, pensando na Amazônia, ou aqui mais próximo, no Pantanal, correm algum risco, do ponto de queimadas, desmatamento? Isso de certa forma preocupa a ciência?

Suzana Muito. Acredito que talvez hoje, apesar das chuvas que caíram, o pantanal continua em chamas, nós temos áreas muito comprometidas. Nós temos nos biomas Cerrado, Pantanal e Amazônia, como você citou, um dos maiores celeiros, conjuntos de biomoléculas de interesse múltiplo  é muito pouco conhecido.
Nós avaliamos medicamentos com moléculas bio-inspiradas. Estudamos essas moléculas em plantas ou com produtos de animais. Levamos para o laboratório e produzimos sinteticamente, mas sem esse nosso primeiro molde. E essas situações de desastres que vivemos em relação ao fogo, vão, provavelmente, comprometer muito porque temos toda uma estrutura de bactérias do solo que determinam a qualidade das plantas, o que vai nascer dali para frente que nós não conhecemos. Tanto que é um dos nossos projetos avaliar, em áreas preservadas, que foram agredidas, o que foi modificado geneticamente em termo de plantas, animais e bactérias que podem impactar essa fonte de produtos no futuro. 

Isso poderia deixar de faltar algum elemento fundamental para algum medicamento, por exemplo, por um problema inicial como esse?

Suzana Nós percebemos que remediar não é eficiente. Nós temos que trabalhar com prevenção. Os grupos de trabalhos precisam ser permanentes. Precisamos continuar trabalhado para que isso não se repita e não trabalhar apenas com sistema de recuperação e socorro, como estamos fazendo agora. 

Doutora, pela sua experiência, a senhora acredita que nos próximo vinte anos, nós estaremos muito mais evoluídos, no ponto de eficiência, descoberta e avanço da pesquisa como um todo?

Suzana Os passos da pesquisa são muito largos. Se olharmos o histórico de vinte anos atrás, nunca imaginaríamos que estaríamos nesse ponto de capacidade de desenvolvimento, de conhecimento da parte da genética. Hoje falamos sobre técnica de manipulação genética, extremamente robustas e evoluídas, e essa tecnologia nunca esteve tão acessível em todos os laboratórios. Então, aquela situação onde, altas tecnologias estavam restritas a grandes centros, em um pequeno eixo de pesquisa, não é mais a realidade. Hoje nós temos a tecnologia disponível.Os nossos laboratórios são capazes de realizar qualquer um desses trabalhos. Houve uma descentralização da pesquisa e facilidade de acesso. Isso só faz crescer a colaboração e a capacidade de desenvolvimento.