“A gente chegou a ter momentos de tanto desespero, de não ter mais condição de atender, que a gente fechou a porta da maternidade por alguns dias.” O desabafo da chefe da Divisão do Cuidado do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh) de Campo Grande, Cláudia Lang, reforça a situação descrita por outros médicos da capital desde o início da pandemia. No HU, a médica revelou que os últimos cinco meses foram os mais críticos no atendimento a gestantes em trabalho de parto.
Assim como no maior hospital conveniado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado, a Santa Casa, o HU de Campo Grande enfrentou e ainda enfrenta a falta de leitos de UTI neonatal para atender recém-nascidos, principalmente os prematuros.
A situação não é novidade desde 2019 e se agravou na pandemia, mas o período mais crítico foi a partir de outubro do ano passado, conforme a médica, com números elevados de partos prematuros. O que aumentou a insuficiência de leitos para acomodar esses recém-nascidos.
Sem espaço adequado, muitos bebês ficaram e ainda hoje permanecem em leitos improvisados dentro do centro obstétrico do HU. “Chegou ao ponto de não ter incubadora, berço aquecido, monitor, ventilador, sem falar na equipe especial. Então, eu estava com uma outra UTI no centro obstétrico e com uma equipe que não tem experiência em cuidar. Chegou um momento que a gente não tinha mais nada de opção”, revelou Cláudia.
Nesse período, a médica disse que foram feitas muitas reuniões além de inúmeros documentos enviados para as autoridades competentes alertando sobre a situação da falta de leitos de UTI neonatal no HU. “A gente mandou muitos documentos notificando o gestor, o Ministério Público, o CRM/MS. Todos as instancias que legalmente a gente precisa avisar, foram avisadas”, pontuou.
Em 2019, último ano antes da pandemia, entre pacientes da capital e do interior Campo Grande registrou 116 bebês prematuros extremos, já no ano passado foram 154 recém nascidos prematuros extremos na capital, número 33% maior. Ainda conforme o Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos do Ministério da Saúde (DATASUS), em 2021 nasceram 28 prematuros extremos, de até meio quilo, entre pacientes da capital.
Os dados respaldam as declarações dos médicos e gestantes sobre a falta de pré-natal adequado durante a pandemia. O que poderia evitar partos prematuros e consequentemente a superlotação e falta de leitos de UTI neonatal, segundo Cláudia Lang.
“Já vinha um déficit de leitos de UTI e houve uma demanda muito maior na pandemia porque o pré-natal foi negligenciado nesse período. Tanto por medo da gestante em sair de casa, quanto pela estrutura da rede (pública), porque houve um foco muito grande na questão da covid”, explicou.
Cláudia disse que as reclamações mais frequentes das gestantes eram a respeito da falta de exames disponíveis, além da demora para agendamentos. “Elas se queixam que tem muita dificuldade para fazer ultrassom obstétrico pelo serviço público no tempo certo”. Durante a gravidez, as mães precisam fazer vários tipos de ultrassom, no entanto, conforme relato muitas grávidas só fizeram um ou dois ultrassons durante a gestação inteira.
“Exames de sangue, alguns de pesquisa de diabetes elas tem muita dificuldade de fazer pela rede pública, exame de infecção de urina mais confiável que é o ‘urocultura’ elas não conseguem fazer pelo serviço público e nesse tempo se estabelece uma doença ali”, alertou a profissional.
A defensora pública da saúde Eni Diniz, chegou a ajuizar ação na justiça para a implantação de novos leitos de UTI neonatal em Campo Grande e acompanhou a dificuldade de muitas gestantes que não tiveram o atendimento de pré-natal adequado na capital. “Com a pandemia houve uma dificuldade em que mães tivessem acesso a determinados exames e ao acompanhamento do pré-natal, nisso a gente teve que atuar em várias questões, solicitando alguns medicamentos, exames para mães que estavam tendo dificuldade de fazer o pré-natal na pandemia”.
A desassistência as gestantes não é exclusividade de Campo Grande, conforme a chefe da Divisão do Cuidado do Hospital Universitário o interior de Mato Grosso do Sul está carente de um pré-natal bem feito, com exames e acompanhamento específicos desde o início até o final da gestação.
“Tem que ser feito um investimento muito grande tanto em Campo Grande, quanto no interior na questão do resgate do pré-natal. Fazer um mutirão, chamar todas as gestantes que estão identificadas, fazer essa busca ativa bem de perto para diminuir essa taxa de partos prematuros. Isso foi discutido nas reuniões e eu imagino que estado e município estejam nessa movimentação”, concluiu.
A prefeitura de Campo Grande, através da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) já respondeu a CBN anterioromente na reportagem 'Bebês prematuros em leitos de UTI improvisados', afirmando que a quantidade de leitos de UTI neonatal existentes é suficiente para atender a macrorregião de Campo Grande e que não desassistiu as gestantes em relação ao pré-natal durante a pandemia.