RÁDIOS
Campo Grande, 04 de maio

Bebês prematuros em leitos de UTI improvisados

Sobrecarga no atendimento do SUS agravou durante pandemia

Por Isabelly Melo
18/03/2022 • 17h30
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Problema de longa data, a falta de leitos de UTI neonatal em Campo Grande impacta diretamente um dos maiores hospitais do estado, a Santa Casa. Privada, a instituição tem atualmente 95% de todo o atendimento voltado para pacientes via Sistema Único de Saúde (SUS), quando o previsto por lei seria 60% público e 40% privado. “Como a demanda tem sido muito grande utilizamos a estrutura do privado para atender o SUS”, explicou o Hospital em nota.

Durante os dois primeiros anos de pandemia da covid-19, com picos extremos de contágio, a Santa Casa absorveu uma alta demanda de recém-nascidos prematuros e “gigantes”, além de mães com diabete gestacional e outros problemas não tratados pela falta de pré-natal ou mesmo falhas nesse atendimento às gestantes na rede básica da saúde pública municipal.

Nascimento de bebês gigantes aumentou durante 2020 e 2021, pico da pandemia de covid-19

A transferência das consultas médicas do pré-natal dos bairros para regiões centrais teria dificultado o acesso de muitas gestantes, o que fez cair a procura e adesão ao tratamento, conforme o médico obstetra, William Lemos Junior.

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Segundo ele, uma das consequências direta dessa mudança foi o aumento acima da média de bebês prematuros. “Durante a pandemia houve um aumento do número de recém-nascidos. Passamos de um quantitativo de mais ou menos 17% de prematuros para mais de 21%, sendo que a média nacional é em torno de 11% a 12%”, complementou.

Para suprir a demanda por leitos de UTI neonatal foi necessário improvisar um centro de terapia intensiva no centro obstétrico da Santa Casa, solução inadequada, visto que o local não é o ideal para a internação de recém-nascidos, o que, conforme o obstetra, coloca não só as mães e bebês em risco assistencial, como também de inadequação ou até impossibilidade de atendimento dos procedimentos realizados no setor.

O presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul (CRS/MS), José Jailson de Araújo Lima, endossou as declarações do obstetra, afirmando que recebe rotineiramente comunicados de diretorias e presidências de hospitais com queixas em relação à falta de leitos. Antigas, as queixas aumentaram durante a pandemia. “Acentuou o número de atendimentos dos casos graves, com isso teve um aumento da necessidade de toda a estrutura do leito. Mas assim, após (o pico) da pandemia não melhorou, continua do mesmo jeito”, disse Araújo.

Além da falta de leitos em UTIs neonatais, várias gestantes passaram o período do pré-natal sem realizar exames básicos e indispensáveis para a própria saúde e do bebê, como os de avaliação de má formação fetal e de risco de diabetes. Demanda irreversível, pois os exames tem período correto para a realização. “Com a restrição, muitas pacientes perderam o prazo, isso fez com que chegassem com bebês grandes ou pequenos demais e trabalhos de parto prematuros em decorrência de infecções que não foram diagnosticadas e nem tratadas”, revelou o obstetra. 

A diabetes gestacional causa excesso de hormônio, atrapalhando a absorção de cálcio, potássio e magnésio, aumentando o risco de parto prematuro, icterícia, dificuldade para respirar, além de problemas cardíacos. Quando não identificada e tratada, a glicose em excesso no sangue da mãe passa através da placenta para o bebê, forçando uma maior produção de insulina. Toda a gordura em excesso faz o bebê crescer demais, especialmente na zona do dorso, podendo necessitar de atenção médica específica.

Casos assim fizeram aumentar a demanda que já era reprimida, segundo o coordenador médico. “Houve uma queda na natalidade, mas os partos classificados como alto risco aumentaram cerca de três vezes em relação ao período pré-pandemia”, revelou. Aumento que impactou negativamente na demanda de atendimento e equipamentos às gestantes e recém nascidos.

Leito de UTI neonatal improvisado para acolher recém-nascido prematuro

A falta de leitos de UTI neonatal chegou ao nível crítico onde os profissionais precisaram escolher qual recém-nascido iria usar os equipamentos disponíveis, sendo que alguns prematuros precisaram ficar quase dois meses internados. Segundo o médico obstetra, a escolha recai basicamente sobre o parto, avaliando qual mãe está em maior risco.

“Não é que a outra pode esperar, mas naquele momento a primeira está precisando mais. Se eu identifico que há possibilidade de aguardar, aquela paciente vai esperar, mesmo que haja uma indicação de encerrar a gestação. Até que se transforme em uma emergência e não haja qualquer possibilidade de se aguardar”, completou William.

Se as duas mães estiverem em alto grau de emergência, um dos recém nascidos recebe a vaga em leito de UTI neonatal, como precede a lei, e o outro fica em local improvisado até que possa ser devidamente atendido. “Isso aconteceu frequentemente (no pico da pandemia) e segue até hoje. Eu tenho cinco bebês dentro do centro obstétrico nesses leitos improvisados porque eu não tenho onde colocar”, alarmou.

Atualmente a Santa Casa possui trezes leitos neonatais. Até fevereiro deste ano eram oito. Segundo o médico da instituição, um aumento inexpressivo em relação a quantidade de crianças atendidas, em torno de 16 a 20. Sem o suporte necessário, o risco de morte para os recém-nascidos é um medo frequente da equipe médica.

“Graças a Deus isso não aconteceu. Mas só porque a gente lutou bravamente contra isso. Agora, eu não consigo dizer para você, qual o impacto a longo prazo disso. Será que ele ter ficado no leito improvisado ou ter tido que aguardar mais tempo para o nascimento que já teria que ter acontecido vai tem um impacto no desenvolvimento dessa criança? Eu temo que sim”, finalizou William.

Em nota, a gestão municipal disse que Campo Grande possui hoje o número de UTIs neonatais suficientes para atender à toda a população da macrorregião, e que o problema é a absorção da demanda de municípios que fazem parte de outras macrorregiões. A Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) disse ainda que na semana passada fez visita técnica na Santa Casa, após o hospital alegar lotação máxima nos leitos de UTI neonatal, e que confirmou a retenção de pacientes de outros municípios.

“Dos 28 pacientes internados, nove eram da Capital, 19 desta macrorregião, dois da macro de Dourados, quatro da macrorregião de Corumbá e dois de Três Lagoas, cidades estas que possuem leitos de UTI Neo e deveriam absorver a esta demanda”, explicou em nota.

A Sesau complementou que, além dos cinco novos leitos na Santa Casa, outros quatro foram ativados na maternidade Cândido Mariano, além de um chamamento em curso para ativação de cinco novos leitos de UTI Neo e cinco semi-intensivos no hospital El Kadri.

Sobre a atenção às gestantes durante o pré-natal, no pico da pandemia, a prefeitura de Campo Grande informou que houve aumento no número de atendimentos. 

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