O uso de tecnologias de reconhecimento facial pela segurança pública no Brasil é marcado por lacunas legais, falta de transparência e potenciais violações de direitos fundamentais.
É o que aponta o relatório “Mapeando a Vigilância Biométrica”, elaborado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), instituição acadêmica vinculada à Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU).
O documento traz um panorama inédito do uso de reconhecimento facial na segurança pública em todos os estados brasileiros.
Segundo o levantamento, há 337 projetos ativos no país com potencial de monitorar cerca de 81 milhões de brasileiros – o equivalente a 40% da população. Apesar da ampla adesão, a pesquisa identificou que nenhum estado publica relatórios avaliando a eficácia da tecnologia e mais da metade não oferece informações claras sobre os contratos firmados ou os dados utilizados.
Mato Grosso do Sul está entre os seis estados que declararam não utilizar a tecnologia de reconhecimento facial, ao lado de Acre, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e Distrito Federal.
Estados como Bahia, Pará e Piauí estão entre os que mais investiram na tecnologia, com contratos que somam mais de R$ 160 milhões. Em contrapartida, 23% das unidades federativas consultadas não forneceram documentos ou dados completos sobre a implantação dos sistemas.
A pesquisa também denuncia a ausência de relatórios públicos, a inexistência de estudos sobre eficácia e impactos das ferramentas, bem como a falta de critérios para formação de listas de procurados. Um dos principais pontos críticos é a contratação de empresas privadas sem comunicação à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o que viola a Lei Geral de Proteção de Dados.
Internacionalmente, sistemas similares têm sido alvo de restrições ou proibições em países como Reino Unido, França, Itália e Estados Unidos, diante de evidências de vieses raciais e falhas de identificação. No Brasil, mesmo com projetos de lei tramitando, ainda não há marco regulatório que discipline de forma clara o uso dessas tecnologias.
A DPU e o CESeC recomendam que, diante da falta de evidências sobre a eficácia e da existência de riscos comprovados às liberdades civis, a adoção do reconhecimento facial seja suspensa até que haja regulação adequada, transparência e garantia de proteção aos direitos fundamentais.