No ano em que a Lei Maria da Penha completa 19 anos, Mato Grosso do Sul já registrou 22 feminicídios nos oito primeiros meses de 2025, contra 20 no mesmo período do ano passado. Em 2024, foram 35 casos em todo o ano. Nesse cenário, o Governo Estadual lançou, este mês, o Programa Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres – Protege, instituído por decreto em junho como política pública integrada e transversal.
O programa mobiliza diversas secretarias e órgãos parceiros para atuar na prevenção, proteção, atendimento e garantia de direitos, com ações que vão da qualificação de equipes à ampliação de canais de denúncia, passando pela inserção do tema nos grêmios estudantis e pela formação de lideranças comunitárias.
Essa última medida é considerada estratégica para romper o “pacto de silêncio” que ainda envolve casos de violência, aproximar a rede de atendimento das realidades locais e ampliar a capacidade de resposta. A ideia é que líderes comunitários sejam multiplicadores das informações, identificando sinais de abuso e encaminhando as vítimas de forma rápida e segura para os serviços disponíveis. O Protege também prevê a atuação em áreas remotas.
A secretária de Estado da Cidadania, Viviane Luiza, explica como será a capacitação, quais públicos serão alcançados e de que forma o programa busca transformar a prevenção em uma mudança cultural duradoura.
Por que capacitar lideranças comunitárias é considerado um passo estratégico para enfrentar a violência contra a mulher?
Viviane Luiza - É uma forma estratégica do Governo do Estado unindo a sociedade civil. Percebemos que o pacto de silêncio em torno da violência contra mulheres e meninas precisa ser rompido. Os líderes comunitários são fundamentais nesse processo, porque é nas comunidades e nos bairros que essa violência, principalmente a psicológica, acontece de maneira silenciosa. Vamos começar a formação por Campo Grande, neste sábado (16). E a partir de 27 de agosto, esse material multiplicador será levado para todo o Estado, formando líderes comunitários nos municípios por meio das gestoras municipais. O objetivo é engajar toda a sociedade sul-mato-grossense.
Quando se fala em violência, muitas pessoas pensam apenas na agressão física. Quais outros tipos o programa aborda?
Viviane Luiza - Nós temos a violência psicológica, que ainda é muito subnotificada. Também temos a violência sexual, a violência patrimonial e, agora, também por meio da internet, principalmente com o uso de inteligência artificial. O Protege é uma política pública apresentada recentemente à população, com ações integradas de secretarias e órgãos do Governo do Estado para atuar, de forma transversal, na prevenção e no enfrentamento. Trabalhamos com três eixos: curto, médio e longo prazos.
E como o programa vai trabalhar com a juventude?
Viviane Luiza – Entre as ações, estamos lançando uma trilha formativa para a juventude das escolas estaduais, com o tema “Por elas, por eles, a juventude sem violência contra as meninas e mulheres”. Essa ação é pioneira no Brasil e será feita por meio da formação de grêmios estudantis. Queremos que meninos, meninas, os jovens em geral, entendam desde cedo o que é violência contra a mulher. Um observatório do Senado Federal realizou uma pesquisa por todo o país onde mostrou que muitas mulheres tiveram contato com violência antes dos 19 anos. Se formarmos essas jovens e mostrarmos, por exemplo, que cuidar da roupa de alguém ou ter ciúmes excessivos não é prova de amor, mas sim indício de violência, estaremos prevenindo desde cedo.
Como as lideranças comunitárias entram nesse trabalho?
Viviane Luiza – Elas conhecem muito bem suas comunidades, sabem nomes, parentescos, histórias familiares e, assim, conseguem orientar mulheres que sofrem violência. A formação vai mostrar também como funciona a rede de atendimento e para onde encaminhar as vítimas.
Hoje o Estado já possui estrutura de atendimento?
Viviane Luiza – Sim. Desde 1999, Campo Grande conta com um Centro Especializado em atendimento às Mulheres, que foi estendido para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Esse centro oferece apoio psicossocial, terapias com psicólogas, encaminhamento ao mercado de trabalho e assessoria jurídica. Com isso, ela não precisa, por exemplo, ir numa delegacia e registrar o Boletim de Ocorrência, porque geralmente essa mulher quer tentar resolver a situação precisa de orientações. E a partir de 27 de agosto, vamos expandir esse modelo para 12 municípios com maiores índices de violência doméstica, identificados pelo Observatório da Cidadania. Cada um vai receber R$ 210 mil para criar Centro Especializado de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência (Ceamca) que fará parte do Protege.
Como chegar em comunidades onde o acesso é mais difícil, como aldeias indígenas e áreas rurais?
Viviane Luiza – No caso das comunidades indígenas, atuamos junto com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e também com os conselhos comunitários, formando lideranças como caciques, professores e profissionais da saúde indígena, para que eles entendam os tipos de violência e como podem resolver a situação por um canal direto com a polícia local. Isso fortalece a proteção. Além disso, realizamos o MS em Ação – Cidadania e Segurança, levando mais de 30 serviços para dentro das aldeias. Já passamos por mais de sete, incluindo a aldeia Alves de Barros, no município de Porto Murtinho, perto de Bodoquena, onde o acesso é difícil. Nessas ações, também atuam a Polícia Civil e Programa Mulher Segura da Polícia Militar (Promuse). Existe ainda o Promuse Indígena, que atua considerando a realidade de cada comunidade. Em Amambai, por exemplo, temos policial militar que fala guarani, o que facilita muito a comunicação.
E para as zonas rurais fora das aldeias?
Viviane Luiza - Levamos nossos serviços com o Ônibus Lilás, que atende mulheres ribeirinhas, realizando atendimento e conscientização. Muitas dessas comunidades são invisibilizadas pelas políticas públicas. Nosso objetivo é mostrar que fazem parte do Mato Grosso do Sul e das políticas do Estado, e que o Governo está atuando e trabalhando junto com elas.
Infelizmente, 2025 já registra mais de 20 casos de feminicídio no Estado. Como o Protege pode ajudar a mudar esse cenário?
Viviane Luiza – Uma sociedade tem o dever de proteger mulheres e meninas. O Protege amplia o alcance das ações do Estado, levando investimento aos municípios, formando lideranças, fortalecendo a rede de atendimento e unindo esforços com a sociedade civil. Assim, podemos reduzir ao máximo os índices de violência doméstica e feminicídios.
Qual a mensagem final para a sociedade?
Viviane Luiza – É um chamado de uma mulher para toda a sociedade: unamos esforços e forças para mudar comportamentos e realidades. Agradeço às lideranças comunitárias, bairros e toda a comunidade que se unem a nós para combater e prevenir a violência contra mulheres e meninas no Mato Grosso do Sul.