Pedro Chaves* e Ronaldo Mota**
A comunidade de descendentes de japoneses em Mato Grosso do Sul forma uma das colônias nipônicas mais significativas do Brasil, ocupando a terceira posição em número de imigrantes e seus descendentes, atrás apenas de São Paulo e Paraná. Desde seu estabelecimento no início do século XX, esses pioneiros e suas gerações posteriores construíram um legado marcado pela perseverança, contribuições econômicas e uma rica troca cultural que permanece viva na identidade sul-mato-grossense.
A trajetória começou com a chegada do navio Kasato Maru ao porto de Santos em 1908, trazendo as primeiras famílias japonesas destinadas às lavouras de café do interior paulista. Diante das condições difíceis, muitos migraram para outras regiões, incluindo o então estado de Mato Grosso (antes da divisão que criou Mato Grosso do Sul). Em 1914, os primeiros imigrantes fixaram-se na região, inicialmente como trabalhadores na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, para depois se dedicarem à agricultura, especialmente ao cultivo de hortifrutigranjeiros que transformou a produção local. Campo Grande, fundada em 1899, tornou-se o principal polo dessa comunidade, que hoje reúne cerca de 15 mil descendentes até a quarta geração.
A cultura japonesa floresceu em solo sul-mato-grossense através de manifestações que se tornaram parte do cotidiano regional. O Bon Odori, dança folclórica em homenagem aos ancestrais, anima anualmente as ruas de Campo Grande com trajes típicos e melodias tradicionais. O Festival Nipo-Brasileiro, organizado pela Associação Nipo-Brasileira da capital, transformou-se num importante evento que reúne exposições de artesanato, cerimônias do chá e o vibrante som dos taikôs (tambores japoneses). Práticas como origami, ikebana (arranjos florais) e shodō (caligrafia) são repassadas em oficinas que mantêm vivas essas tradições entre jovens e adultos.
No campo econômico, a contribuição japonesa revolucionou a agricultura estadual, com técnicas avançadas de cultivo que impulsionaram a produção de hortaliças, abastecendo mercados locais e regionais. A educação sempre foi valorizada – as comunidades construíram suas próprias escolas em mutirão, garantindo ensino de qualidade sem perder o vínculo com as raízes culturais. Esse investimento formou gerações de profissionais destacados em diversas áreas, da medicina ao comércio.
Um dos traços mais admiráveis dessa comunidade é o espírito de cooperação materializado no Moai, sistema de ajuda mútua originário de Okinawa que se adaptou perfeitamente ao contexto local. Através dele, famílias unem-se para superar dificuldades, tradição que acabou influenciando toda a sociedade sul-mato-grossense.
Na gastronomia, a fusão cultural ganha sabor especial com o sobá, prato típico de Okinawa que se tornou ícone de Campo Grande. Introduzido pelos imigrantes que trabalhavam na Feira Central (fundada em 1924), essa iguaria de macarrão com caldo de carne foi adaptada ao paladar local e hoje é apreciada por todos, junto com sushi, tempurá e outras delícias que enriquecem a culinária regional.
Recentemente, em 18 de junho, celebramos os 117 anos da imigração japonesa no Brasil, data comemorada em Mato Grosso do Sul com eventos que honram essa história de superação e integração. Mais do que números, a comunidade japonesa representa uma lição de perseverança e adaptação, mostrando como diferentes culturas podem se enriquecer mutuamente. Seja na agricultura, nas tradições culturais ou nos valores comunitários, os sul-mato-grossenses de origem japonesa seguem sendo parte fundamental do mosaico cultural que torna o estado tão especial, inspirando não apenas seus descendentes, mas todos que acreditam no poder da diversidade e da união.
*Senador da República/MS (2016-2019) e ex-reitor da Uniderp.
**Titular da Cátedra em Inteligência Artificial na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) junto ao Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE/UFRJ