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EUA abrem investigação contra Brasil por práticas comerciais desleais

USTR questiona política digital, tarifas, acesso ao etanol e falhas no combate ao desmatamento ilegal

Uma audiência pública está marcada para o dia 3 de setembro, em Washington, na Comissão de Comércio Internacional dos EUA. - Foto: Reprodução/Embaixada dos EUA
Uma audiência pública está marcada para o dia 3 de setembro, em Washington, na Comissão de Comércio Internacional dos EUA. - Foto: Reprodução/Embaixada dos EUA

Os Estados Unidos iniciaram uma investigação formal contra o Brasil por supostas práticas comerciais consideradas desleais e discriminatórias. A medida foi tomada pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR), com base na Seção 301 do Ato de Comércio de 1974, que permite a adoção de sanções contra países que adotem políticas que prejudiquem o comércio americano.

A investigação foi aberta oficialmente nesta terça-feira (15) e abrange seis áreas principais: comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais, combate à corrupção, proteção à propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal.

“Sob a orientação do Presidente Trump, estou iniciando uma investigação sobre os ataques do Brasil às empresas americanas de mídia social, bem como outras práticas comerciais desleais que prejudicam empresas, trabalhadores, agricultores e inovadores tecnológicos americanos”, afirmou o embaixador Greer, representante de Comércio dos EUA.

Redes sociais e dados pessoais

Uma das principais motivações da investigação é a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que responsabiliza plataformas de redes sociais por conteúdos ilegais, mesmo sem ordem judicial.

Para o governo dos EUA, essa medida impõe riscos econômicos a empresas americanas e incentiva a remoção preventiva de conteúdos, inclusive publicações com teor político.

O comunicado menciona ainda que plataformas americanas teriam sido alvo de ordens judiciais sigilosas para excluir postagens e suspender contas de críticos políticos, inclusive cidadãos dos Estados Unidos, sob pena de multa e até prisão de executivos.

“O Brasil pode prejudicar a competitividade de empresas norte-americanas envolvidas nesses setores, por exemplo, retaliando contra elas por não censurarem o discurso político ou restringindo sua capacidade de fornecer serviços no país”, afirma o USTR no.

Além disso, o USTR aponta restrições impostas pelo Brasil à transferência internacional de dados pessoais como entraves ao funcionamento de empresas globais. Também há críticas indiretas ao modelo brasileiro de serviços de pagamento eletrônico — especialmente o Pix, sistema gerido pelo Banco Central — sugerindo que o país favorece soluções estatais em detrimento da concorrência de empresas privadas estrangeiras.

Tarifas e acordos seletivos

A investigação também inclui críticas ao sistema tarifário brasileiro. Segundo os EUA, o Brasil mantém tarifas elevadas para produtos norte-americanos enquanto concede tratamento preferencial a países como México e Índia, por meio de acordos bilaterais que abrangem setores estratégicos como veículos, autopeças, produtos químicos e agrícolas.

Em 2024, quase toda a importação brasileira de veículos mexicanos foi isenta de tarifas, enquanto os produtos americanos similares foram tributados entre 14% e 35%.

Etanol e desequilíbrio comercial

A política brasileira para o etanol é outro ponto sensível. O país teria abandonado um regime de isenção tarifária mútua com os EUA em 2017. Desde então, a tarifa sobre o produto americano foi elevada progressivamente, atingindo 18% em 2024.

Com isso, as exportações de etanol dos EUA para o Brasil despencaram: foram US$ 761 milhões em 2018, contra apenas US$ 53 milhões no ano passado.

Corrupção e propriedade intelectual

O USTR também menciona retrocessos no combate à corrupção no Brasil, citando decisões judiciais que anularam condenações em casos de suborno e desvio de recursos públicos, além da celebração de acordos considerados opacos por órgãos de controle.

No campo da propriedade intelectual, o documento cita a ineficácia no combate à pirataria e à falsificação de produtos. Um exemplo simbólico usado na investigação é a Rua 25 de Março, em São Paulo, apontada como “um dos maiores mercados de produtos falsificados do Brasil, que permanece ativo apesar de sucessivas operações policiais”.

“A falsificação continua sendo um problema disseminado, em parte porque as operações de apreensão não são seguidas por punições suficientemente dissuasivas ou ações que interrompam de forma duradoura essas práticas ilegais”, diz o relatório.

Desmatamento e concorrência desleal

A atuação do Brasil no combate ao desmatamento ilegal também entrou na mira da investigação. Segundo o USTR, a conversão de áreas protegidas em propriedades agrícolas — como fazendas de gado ou lavouras de soja — gera vantagem competitiva injusta para os produtos brasileiros, em especial quando comparados aos norte-americanos, que seguem regras ambientais mais rígidas.

O relatório aponta que cerca de 91% do desmatamento registrado em 2024 pode ter origem ilegal. Há também indícios do uso de trabalho análogo à escravidão e esquemas de falsificação de documentos para legalizar madeira extraída de forma irregular.

Próximos passos

Uma audiência pública está marcada para o dia 3 de setembro, em Washington, na Comissão de Comércio Internacional dos EUA.