Desde o início da pandemia de coronavírus, em fevereiro de 2020, até seu fim oficial, em maio de 2023, o cotidiano de cidades como Paranaíba sofreu transformações profundas — não só por imposições externas como isolamento e restrições, mas também por mudanças duradouras no comportamento social. Um dos aspectos mais visíveis é como o “noite adentro” perdeu seu antigo vigor: pessoas saem mais cedo, estabelecimentos fecham cozinhas mais cedo, shows já não começam nas primeiras horas da manhã. Esse novo ritmo parece ter se enraizado. Em Paranaíba, empresários noturnos, como Célio Leal, do Celinhus Beer, confirmam: “Não faz mais sentido manter a cozinha aberta até 1h ou 2h da manhã. Esse comportamento, de sair mais cedo e retornar para casa mais cedo, ficou cravado nas pessoas.”, diz o comerciante.
Mas será que há respaldo científico para essas mudanças? Dados de psicologia, psiquiatria e estudos de comportamento indicam que sim — e apontam para causas múltiplas.
O que dizem os dados
1. Mudanças no sono e no ritmo circadiano
- Um estudo global com quase mil pessoas observou que durante a pandemia houve atraso no horário de dormir, redução da qualidade do sono, aumento de insônia, bem como mais pesadelos e cochilos durante o dia. PubMed
- Outro trabalho com adolescentes em Pelotas (RS) mostrou que entre o período pré-pandemia e durante, houve aumento no tempo de dormir em dias de trabalho, maior “latência” (tempo que demoram para dormir), e uma redução no “jet lag social” (diferença entre os horários de sono em dias úteis e fins de semana). Revistas USP+1
- Estudos com adultos mostram que, mesmo meses após o pico da pandemia, pacientes com COVID-19 mantinham padrões alterados de sono: qualidade do sono pior, padrão circadiano (o relógio biológico) deslocado, tempo total de sono abaixo de 7 horas, etc. PubMed+1
2. Mudança nos hábitos de lazer, socialização e saída noturna
- Um estudo de “Leisure Styles in Adults” demonstrou que durante a pandemia, o envolvimento em atividades sociais e de turismo caiu bastante, enquanto atividades intelectuais e virtuais subiram. Mesmo depois, algumas dessas mudanças não reverteram completamente. MDPI
- Pesquisa no Japão mostrou que, durante a pandemia, a frequência a restaurantes e viagens caiu de forma mais expressiva do que, por exemplo, visitas a instituições de saúde. Ou seja: sair para comer fora ou participar de eventos foi algo que foi muito alterado no repertório de comportamentos. ojphi.jmir.org
- Outro estudo analisou dados de celulares (Kyoto e Madrid) para ver como a vida noturna urbana sofreu impacto e como está sendo a recuperação. Verificaram que em áreas de turismo, por exemplo, a presença de pessoas em horários noturnos permaneceu bastante reduzida mesmo após as medidas mais rigorosas. ScienceDirect
3. Aspectos psicológicos e de saúde mental
- O isolamento, a incerteza, o medo da doença, perdas, mudanças de rotina: tudo isso gerou altos níveis de estresse, ansiedade e depressão em larga escala. Esses estados emocionais impactam diretamente no comportamento noturno: uma pessoa ansiosa tende a evitar sair tarde, prefere ambientes conhecidos, busca segurança — o que pode fazer com que “volte cedo para casa”.
- Insônia persistente também aparece em vários estudos, especialmente em quem teve COVID-19 ou sofreu muito com o confinamento. Isso pode criar um ciclo: quem dorme mal evita sair tarde para não agravar o sono, reforçando o novo padrão. PubMed+1
O que se vê em Paranaíba — e em muitas outras cidades — parece não ser apenas reflexo de “volta aos velhos tempos” com uma pausa. A pandemia trouxe rupturas que alteraram hábitos de sono, de lazer e de socialização de forma duradoura. O “noite adentro” perdeu parte de seu brilho, ou ao menos mudou o brilho: as pessoas agora saem mais cedo, dormem mais cedo, evitam horários mais tardios, e os estabelecimentos e eventos acompanham essa nova realidade.