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110 anos

Vila Piloto: um bairro circular onde a história gira em torno da união e do pertencimento

Mais de 10 mil pessoas vivem hoje na Vila Piloto, um dos bairros mais populosos da cidade

Mais de 10 mil pessoas vivem hoje na Vila Piloto, um dos bairros mais populosos da cidade. Foto. Arquivo
Mais de 10 mil pessoas vivem hoje na Vila Piloto, um dos bairros mais populosos da cidade. Foto. Arquivo

Na semana em que Três Lagoas comemora seus 110 anos, seguimos com a série especial de reportagens sobre os bairros que marcaram — e ainda marcam — a história da cidade. Hoje, vamos contar a história de um bairro  que nasceu de um grande projeto energético e carrega um formato urbano único: circular. É a Vila Piloto, um bairro planejado para ser temporário, mas que se transformou em símbolo de identidade, resistência e afeto.

Foi nos anos 1960 que a Vila Piloto começou a ganhar forma, idealizada para abrigar operários, engenheiros e técnicos envolvidos na construção do Complexo de Urubupungá, responsável pelas usinas de Jupiá e Ilha Solteira. Planejada pela então Central Elétrica de Urubupungá (mais tarde incorporada à CESP), a vila surgiu com um traçado circular de um quilômetro de diâmetro, chamando atenção até hoje por seu desenho urbano. No auge, chegou a abrigar cerca de 15 mil pessoas.

A estrutura impressionava: escolas, hospital, igreja, cinema, hotel, centros comerciais, rede de esgoto canalizado e ruas asfaltadas. “Era quase uma cidade industrial”, lembra o historiador Rodrigo Fernandes. Com a conclusão das obras da usina em 1969, muitos trabalhadores foram transferidos para o lado paulista do Rio Paraná, onde foi criada a Vila dos Operadores. Em 1970, já na gestão do prefeito Hélio Congro, a CESP doou à Prefeitura de Três Lagoas toda a estrutura da antiga vila.

Sem um projeto imediato para reaproveitamento da área, muitas casas foram saqueadas e desmontadas. “Citadinos usavam o material para construir casas em novos bairros, como a Vila Alegre”, explica Rodrigo. Só no final dos anos 1980, a área começou a ser novamente ocupada com projetos de habitação popular. Assim nasceu a nova Vila Piloto

A força do mutirão

O bairro ressurgiu das próprias mãos dos moradores. Cecílio Rodrigues da Paz, de 76 anos, mora na Vila Piloto há 35 e participou do mutirão que ergueu as primeiras 93 casas. “Doaram o terreno, o governo deu o material e a gente entrou com a mão de obra”, conta. Para garantir sua moradia, ele e a esposa revezavam turnos. “Trabalhava no PAN o dia todo, à noite vinha para a obra. Sábado, domingo e feriado também. A mulher completava as horas que eu não conseguia.”

Eurides Lopes dos Santos, de 74 anos, também fez parte da construção do bairro — literalmente. Funcionário público, ele ajudava a levantar casas nos horários de folga. “Foi uma época muito boa, todo mundo unido. Aqui a gente já fez de tudo pela nossa comunidade”, recorda com orgulho. Ele ainda participou da desmontagem da antiga Vila Piloto, reaproveitando o material no bairro atual. “Para mim, a Vila é uma só.”

Um bairro e um lar

Mais de 10 mil pessoas vivem hoje na Vila Piloto, um dos bairros mais populosos da cidade. Do traçado circular original, surgiram as Vilas Piloto I, II, III, IV e V. Mas, para quem vive ali, tudo é simplesmente “a Piloto”. Um lugar onde a identidade não se divide.

Maria Nilza, de 63 anos, também é uma das pioneiras. Trabalhava o dia inteiro no frigorífico e, à noite, ajudava a erguer sua casa. “Era todo mundo junto. Descia do ônibus e ia direto para o mutirão. Hoje moro na minha casinha até hoje. Gosto demais daqui”, conta. Ela se diverte ao lembrar das confusões de quem não conhece o bairro: “Como é redondinha, o povo se perde. Vai e volta na mesma rua!”

Cultura viva e tradição

Na Vila Piloto, o espírito de comunidade segue firme. Há 30 anos, moradores realizam uma tradicional festa junina nas ruas do bairro. E foi aqui que surgiu a única escola de samba de bairro da cidade: a X-15, com samba, batuque e muita paixão. “Se não tiver desfile, a gente põe na avenida da Vila mesmo”, brinca uma moradora.

Nas curvas perfeitas da Vila Piloto, traçadas há mais de meio século, ainda ecoam os sons dos mutirões, as conversas nas calçadas e as histórias que entrelaçam gerações. O bairro que nasceu para ser temporário virou morada definitiva para milhares de famílias, que construíram com as próprias mãos muito mais do que casas: construíram um lar.

Porque, para quem vive aqui, a Vila Piloto não é apenas um ponto no mapa. É um círculo de memórias, afeto e raízes que se renova a cada geração.