
Horas extras e prazos curtos são justificativas comuns para adiar férias, faltar em eventos com os amigos e checar e-mails em pleno domingo à tarde. Afinal, melhor já começar a semana com ideias e soluções para os problemas que devem surgir. Em um levantamento recente publicado no periódico Harvard Business Review, metade dos profissionais entrevistados trabalha mais de 65 horas semanais, admite verificar e-mails nos fins de semana ou quando está afastada por licença médica e 22% dizem que seus superiores esperam que eles respondam às mensagens após o expediente. Que tal tirar férias? Não resolve muito, já que 60% ficam colados no smartphone, procurando o sinal de wi-fi mesmo na cadeira de praia. Eles são o que estamos acostumadas a chamar de workaholics.
Controle de ponto
A contradição é que as horas a mais que você trabalha não são convertidas em mais dinheiro ou uma vida mais confortável. O que acaba motivando esse vício em trabalho é a busca por reconhecimento e o medo de ser substituído. "Mesmo sem serem remunerados, muitos funcionários trabalham mais horas do que o esperado", afirma a psicóloga Ana Maria Rossi, PhD e presidente da organização International Stress Management Association (Isma-BR), com sede em Porto Alegre. "São incentivados pela cultura corporativa a se tornarem um modelo a ser seguido."
A redução das equipes e o aumento da pressão nos últimos anos forçaram esse comportamento. Para se manter relevantes, os colaboradores aceitam prazos e agregam atividades para as quais não foram contratados. Os smartphones e os tablets facilitam que o trabalho seja realizado a qualquer horário, em qualquer lugar. É sério: a Microsoft liberou dados de seus executivos que revelam que 19% deles trabalham enquanto vão ao banheiro. Essa mentalidade tem permeado toda nossa sociedade: quem não vende a alma em nome da carreira é olhado torto, mas aquele que está sempre correndo para uma reunião é o mais relevante.
Um site de negócios publicou recentemente um artigo entitulado Four Famous Workaholics – and The Secrets of Their Success (Quatro Workaholics Famosos e o Segredo de seu Sucesso, em tradução livre), que defende a compulsão por trabalho como algo positivo e as horas extras como a garantia de sucesso financeiro.
Questão de gênero
O prejuízo é maior ainda para as mulheres, que acumulam funções. "A maioria das profissionais tem jornada dupla: no trabalho e em casa", diz Marta Bergamin, socióloga e professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Em pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a proporção de homens que realizam afazeres domésticos é de 50%, contra 90% das mulheres. Segundo o Fórum Econômico Mundial, as mulheres têm participação econômica e oportunidades profissionais 60% menores, em média, no mundo inteiro. Isso faz com que, para serem vistas como competentes e merecedoras de promoção, precisam se provar o tempo todo. "Muitas abdicam de momentos com os filhos e a família para atender às expectativas da carreira. Tudo isso porque as barreiras de oportunidade que o gênero enfrenta ainda são altas", acrescenta Marta.
A pesquisa Hábitos de Trabalho dos Profissionais Brasileiros, da Isma, entrevistou mil pessoas em 2014, das quais 23% apresentavam tendências workaholic – ser perfeccionista é um dos principais traços de personalidade -, sendo que 17% eram mulheres. "A sensação entre elas é a de que precisam se dedicar muito mais do que os homens para serem reconhecidas", comenta Ana Maria.
Foi assim com Amanda Cruz. A carreira dela estava deslanchando e, aos 34 anos, tornou-se diretora de marketing de uma grande empresa. Mesmo sem um chefe exigente, começou a se cobrar cada vez mais, viajar constantemente entre conferências e passava os fins de semana em telefonemas de trabalho. Como consequência, o casamento ficou balançado, a alimentação foi para segundo plano e a frequência com que bebia se tornou cada vez maior. De tanto ignorar os sinais do corpo e se deixar levar pela sede de reconhecimento profissional, sofreu um ataque de ansiedade no meio do escritório. Tratou-se com um especialista, pediu demissão e hoje atua como consultora freelancer. Com a terapia, descobriu que precisa aprender a frear a busca por adrenalina proporcionada pela rotina maluca de prazos a cumprir e metas a bater. O trabalho se transformou em uma droga. "Em situações de stress, as glândulas suprarrenais aumentam a secreção de noradrenalina e adrenalina para preparar o organismo para a ação", explica o psiquiatra Leonard Verea, de São Paulo. "A excitação e o bem-estar gerados fazem com que o workaholic queira cada vez mais aquela situação."
Worklovers
É um termo que tem sido usado para enquadrar quem adora o que faz e afirma que, se não fosse remunerado, teria o trabalho como um hobby. A satisfação se reflete positivamente na vida pessoal e nos relacionamentos.
Regras de conduta
Talvez você esteja pensando que, se fosse com você, saberia pisar no freio antes de ser controlada pelo trabalho. Mas não é tão simples assim. Veja como detectar se está passando dos limites e como equilibrar a entrega profissional e a pessoal.
> Avalie outras áreas da vida. É possível se sentir realizada trabalhando, mas é importante saber quando a dedicação é uma desculpa para esconder a frustração em outros setores. Como anda a vida amorosa? Tem lembrado de ver os amigos?
> Faça pequenas pausas durante o expediente. Isso acalma o sistema nervoso, oxigena a mente e dá um up na produtividade. Parar cinco minutos a cada hora de trabalho para respirar, esticar os músculos ou simplesmente tirar os olhos do computador já faz uma bela diferença. Tem mais: uma pesquisa da Universidade de Hiroshima, no Japão, comprovou que o rendimento aumentou em funcionários que viram fotos de filhotes de animais. Estressou? Aperte o play para vídeos de gatinhos ou olhar a foto do seu pet.
> Retome as aulas de bike que parou de frequentar para ficar até mais tarde no escritório. E faça o mesmo com o happy hour com suas amigas da faculdade. Se ficar tentada em, mais uma vez, colocar o trabalho em primeiro lugar, repita o mantra "não vou desmarcar" quantas vezes forem necessárias e peça que as amigas liguem para cobrá-la.
> Desative o e-mail corporativo do seu smartphone pessoal. Não quer ser radical? Então bloqueie durante a noite e o fim de semana – mesmo que isso signifique trancar o aparelho na gaveta. Se parecer impossível cumprir essas dicas, talvez seja a hora de procurar um psicólogo ou coach. Muitas vezes, só um profissional é capaz de fazê-la enxergar a situação de outro ângulo e, assim, quebrar o ciclo vicioso.
> Algumas pessoas manifestam uma tendência competitiva e compulsiva em tudo (no amor, com os amigos e até com os filhos) e a rotina de trabalho apenas acentua esse comportamento. Nesses casos, mudar de emprego, simplesmente, não resolve. É preciso procurar ajuda profissional e aprender e fazer mudanças para colocar a vida no eixo.