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ESPECIAL 48 ANOS DE MS

A história de um estado que levou mais de um século para nascer

O primeiro registro de uma proposta de divisão de Mato Grosso surgiu ainda no Império, em 1870

A criação do estado foi registrada em 1977, no entanto a solenidade de instalação ocorreu em janeiro de 1979 (Foto:  Arquivo/Tião Guimarães)
A criação do estado foi registrada em 1977, no entanto a solenidade de instalação ocorreu em janeiro de 1979 (Foto: Arquivo/Tião Guimarães)

O nascimento de Mato Grosso do Sul, oficializado em 11 de outubro de 1977, foi o ponto final de uma disputa histórica que atravessou mais de um século de lutas políticas, rebeliões regionais e articulações nos bastidores. Antes de a canetada do então presidente Ernesto Geisel criar o novo estado, ao menos seis tentativas de separação fracassaram.

O jornalista e historiador Sérgio Cruz, autor de História da Fundação de Mato Grosso do Sul, explica que o primeiro registro de uma proposta de divisão surgiu ainda no Império, em 1870, quando um jornal do Rio de Janeiro defendeu a mudança da capital de Cuiabá para Corumbá. “Era uma questão mais econômica do que política, motivada pelo isolamento do sul em relação à capital da província”, relata. A ideia, no entanto, foi rechaçada imediatamente pelos cuiabanos.

No início do século XX, o debate ganhou contornos de revolta armada. Em 1907, o coronel Bento Xavier, um ex-maragato gaúcho refugiado na fronteira, liderou o movimento conhecido como ‘Revolução da Paz’, reunindo fazendeiros da região de Bela Vista em torno da criação de um novo estado. O levante foi reprimido, e Bento Xavier terminou exilado no Paraguai, onde morreu em 1915.

Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, rumores indicavam que, se São Paulo vencesse, o sul de Mato Grosso ganharia autonomia, com Campo Grande como capital. A derrota paulista, contudo, sepultou a ideia.

Dois anos depois, em 1934, o político Vespasiano Barbosa Martins liderou um abaixo-assinado com dez mil assinaturas pedindo à Assembleia Constituinte a criação do Estado ou Território Federal de Maracaju. Para Sérgio Cruz, essa foi a tentativa mais próxima de se concretizar. “Havia clima político e apoio popular, mas o projeto acabou engavetado após um acordo entre as lideranças do Norte e do Sul”, afirma.

Com a ascensão de Getúlio Vargas e o Estado Novo, o tema desapareceu da pauta por 25 anos, ressurgindo apenas no fim da década de 1950, com o Movimento de Divisão de Mato Grosso (MDM). Liderado por figuras como Paulo Coelho Machado e novamente Barbosa Martins, o grupo usava como símbolo uma tesoura cortando o mapa do estado. O movimento se animou com a chegada de Jânio Quadros em Campo Grande, em 1960, mas esfriou após o político declarar-se contrário à divisão.

Durante o regime militar, o assunto foi retomado por iniciativa do próprio governo federal. Geisel, que havia participado de uma comissão sobre redivisão territorial, determinou por decreto a criação de Mato Grosso do Sul, sem plebiscito ou consulta pública. “Foi uma decisão de cima para baixo, com pouca mobilização popular”, analisa o historiador.

Apesar disso, o anúncio foi recebido com entusiasmo no sul do antigo estado, onde prevalecia o sentimento de abandono administrativo. “A separação foi um divisor de águas. Paradoxalmente, quem mais se beneficiou foi o próprio norte, que se viu forçado a buscar desenvolvimento”, conclui Sérgio Cruz. 

Por outro lado, a rejeição à separação dos estados para algumas pessoas era tão grande que tinha gente que mal se deu conta do dia da criação de Mato Grosso do Sul. Este foi o caso da aposentada Lourdes Maria de Oliveira. 

“Eu lembro, assim, o movimento que tinha e pra mim que morava lá no Mato Grosso, a gente não queria. Achava que ia ficar difícil, que ia dividir o Mato Grosso, né?, diz a aposentada. 

Por outro lado, mesmo no interior do estado e ainda bem jovem na época, como o Rozemar Mattos, o dia 11 de outubro de 1977 ficou marcado para sempre.

“Eu estava na casa do meu avô, um homem que era totalmente voltado à política, sempre voltado às questões do município, do estado e o meu pai também tinha participação política, então eu lembro que acompanhando ele estava ali comemorando alegremente. Aquilo que ele chamava de um sonho acalentado há muito tempo, que ele, tios, irmãos, pai, participaram de movimentos que visavam a divisão do estado, transformando o estado do Mato Grosso do Sul. Então foi um momento de alegria, um momento de expectativa de uma melhoria para o estado”.

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