O Departamento de Estado dos Estados Unidos publicou novos volumes da coleção Foreign Relations of the United States (FRUS), referentes ao governo de Jimmy Carter (1977–1981).
O material, que reúne memorandos de conversas de alto nível sobre o Canadá, Alemanha Ocidental e países nórdicos, mostra como o Brasil esteve no centro de debates estratégicos em Washington durante a segunda metade da década de 1970.
Entre as principais menções estão a polêmica sobre o acordo nuclear com a Alemanha Ocidental, a preocupação com uma possível corrida armamentista no Cone Sul, além de referências ao país no contexto da assinatura do Tratado do Panamá e nas negociações internacionais em torno da África.
O “acordo do século” e a crise com Washington
O tema dominante nas conversas é o chamado “acordo do século”, assinado em 1975 entre Brasil e Alemanha Ocidental, que previa a construção de usinas nucleares e a transferência de tecnologia para todo o ciclo do combustível nuclear.
Avaliado em cerca de US$ 10 bilhões da época, foi o primeiro grande pacto desse tipo entre uma potência industrializada e um país em desenvolvimento.
Para Washington, porém, a cooperação representava risco direto ao regime global de não-proliferação nuclear. Memorandos revelam Carter pressionando a Alemanha Ocidental — cuja capital era Bonn — a atrasar a entrega de projetos sensíveis de enriquecimento e reprocessamento de urânio.
Em uma das anotações, o presidente deixou claro: “Não queremos acrescentar mais um país à lista dos que podem explodir bombas”, afirma o documento.
O chanceler Helmut Schmidt, por sua vez, considerava que “cumprir o contrato com o Brasil era uma questão de honra”, já que países do Terceiro Mundo observavam de perto a postura alemã.
Contexto histórico do acordo
O acordo Brasil–Alemanha previa a construção de até oito reatores nucleares e a transferência de tecnologia para todas as etapas do ciclo nuclear, incluindo enriquecimento e reprocessamento de urânio.
O pacto foi duramente criticado por Washington, que havia interrompido unilateralmente o fornecimento de urânio enriquecido para o reator de Angra I.
Para o Brasil, a cooperação representava não apenas garantia de energia em meio à crise do petróleo, mas também a chance de projetar-se como potência emergente. Para a Alemanha, tratava-se de um negócio bilionário e de uma oportunidade de consolidar sua indústria nuclear no mercado internacional.
No Brasil, o acordo gerou forte debate interno a partir de 1978, quando denúncias na imprensa alemã levaram à criação de uma CPI no Congresso Nacional. O projeto acabou reduzido diante da crise econômica dos anos 1980 e da percepção de que a cooperação não garantiria o domínio pleno do ciclo nuclear.
O risco de corrida nuclear no Cone Sul
Outro ponto presente nos documentos é a possibilidade de o acordo estimular uma corrida nuclear na América do Sul. Em conversas de 1977, Carter registrou preocupação com a construção de usina de reprocessamento nucelar no Brasil e na Argentina.
Segundo relato da primeira-dama Rosalynn Carter, o presidente brasileiro Ernesto Geisel teria sinalizado que o Brasil não avançaria nesse campo caso Buenos Aires também desistisse.
Para Washington, no entanto, o cenário era de alerta: nenhum dos dois países havia ratificado o Tratado de Tlatelolco, que previa a América Latina como zona livre de armas nucleares.
Brasil no contexto internacional
Apesar do foco nuclear, o Brasil aparece em outras passagens como ator relevante em cenários internacionais. Em reuniões com autoridades alemãs, Carter chegou a mencionar que o Brasil poderia contribuir em mediações com Angola, por compartilhar a língua portuguesa e manter relações diplomáticas com o país africano recém-independente.
O Brasil também foi citado em 1977, durante a assinatura do Tratado do Canal do Panamá, que contou com a presença de líderes latino-americanos em Washington. Carter registrou em memorando que havia conversado com chefes de Estado da região, incluindo o Brasil, como parte de sua estratégia de reforçar alianças hemisféricas.