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ENTREVISTA

“Só falamos de inclusão porque ainda há quem esteja fora”, diz neurologista sobre autismo

Paulo Liberalesso antecipou os principais pontos de sua palestra no Congresso Autismo Sem Fronteira, em entrevista à Massa FM Campo Grande

Paulo Liberalesso nos estúdios da Massa FM Campo Grande - Foto: Luiz Gustavo Soares/Portal RCN67
Paulo Liberalesso nos estúdios da Massa FM Campo Grande - Foto: Luiz Gustavo Soares/Portal RCN67

O neurologista infantil Paulo Liberalesso, referência nacional na área e diretor científico do Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde e Inclusão Social, participou nesta sexta-feira (23) do programa Microfone Aberto, da Massa FM Campo Grande.

Ele antecipou os principais pontos da palestra que fará neste sábado, durante o Congresso Autismo Sem Fronteira, considerado o maior evento sobre o tema em Mato Grosso do Sul.

Durante a entrevista, Liberalesso defendeu a necessidade de diagnóstico precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ainda nos primeiros anos de vida, e abordou as dificuldades enfrentadas pelas famílias no processo de acompanhamento e tratamento.

Diagnóstico antes dos dois anos pode mudar a vida da criança

Segundo o médico, o diagnóstico precoce é fundamental e pode ocorrer ainda antes do segundo ano de vida. “Às vezes até abaixo de um ano”, explicou. Ele afirmou que a maior parte dos casos chega aos consultórios com queixa de atraso na fala, o que pode ser um sinal de alerta importante para pais e pediatras.

“Mais de 97% das mães que levam crianças com diagnóstico de autismo relatam como primeira queixa o atraso da fala. Então sempre digo: mesmo que o profissional não entenda profundamente do autismo, que estude o desenvolvimento da fala”, orientou.

Para o especialista, o encaminhamento para um fonoaudiólogo, especialista em linguagem ou neuropediatra ao primeiro sinal de atraso pode evitar prejuízos no desenvolvimento.

Atendimento público enfrenta desafios financeiros

Questionado sobre a estrutura de atendimento em Mato Grosso do Sul e no Brasil, Liberalesso afirmou que o problema não é a falta de vontade política, mas sim de recursos financeiros.

“Tratar uma pneumonia leva 7 ou 10 dias. Mas no autismo falamos de intervenção a vida inteira. E não são poucas horas. São 10, 20, 30 horas por semana”, destacou.

O médico ponderou que não investir no tratamento é ainda mais caro: “Quando você não trata, muitas vezes terá uma pessoa dependente do Estado ou da família pelo resto da vida. O investimento precoce não é gasto, é economia”, defendeu.

Além disso, ele ressaltou a necessidade de formação das famílias para que possam participar ativamente do tratamento. “Se depender só de profissionais, a chance de sucesso é muito pequena”, disse.

O impacto do “aborto social” na exclusão de pessoas com deficiência

Outro tema abordado na entrevista foi o conceito de “aborto social”, que será discutido no Congresso pela assistente social Emília Gama. Liberalesso explicou que o termo se refere à exclusão social das pessoas com deficiência após o nascimento.

Ele citou exemplos de países como Finlândia e Dinamarca, onde, segundo ele, praticamente não nascem mais crianças com síndrome de Down devido à prática do diagnóstico pré-natal e subsequente interrupção da gestação.

“No Brasil, não temos essa cultura. Mas o aborto social fala de algo tão grave quanto: permitir o nascimento, mas não garantir condições para uma vida digna”, afirmou.

O médico destacou que a sociedade precisa superar a ideia de inclusão como algo separado: “Só falamos de inclusão porque ainda há quem esteja fora. O dia em que entendermos que não existe gente dentro e gente fora, mas só nós — todos nós —, não precisaremos mais desse termo”.

Congresso reúne especialistas e quer fortalecer políticas públicas

O Congresso Autismo Sem Fronteira acontece neste sábado (24), em Campo Grande, e reúne especialistas de diversas áreas para debater os desafios e avanços na garantia de direitos às pessoas com autismo.

Na abertura, Paulo Liberalesso vai apresentar a palestra “Entendendo o Autismo”, com foco em diagnóstico, comorbidades associadas — como TDAH e transtornos de desenvolvimento intelectual — e as formas mais eficazes de intervenção.

“Queremos transmitir informação de qualidade, com base científica, algo que, infelizmente, nem sempre está presente em eventos desse tipo”, reforçou o médico durante a entrevista.

Confira a entrevista na íntegra: