O neurologista infantil Paulo Liberalesso, referência nacional na área e diretor científico do Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde e Inclusão Social, participou nesta sexta-feira (23) do programa Microfone Aberto, da Massa FM Campo Grande.
Ele antecipou os principais pontos da palestra que fará neste sábado, durante o Congresso Autismo Sem Fronteira, considerado o maior evento sobre o tema em Mato Grosso do Sul.
Durante a entrevista, Liberalesso defendeu a necessidade de diagnóstico precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ainda nos primeiros anos de vida, e abordou as dificuldades enfrentadas pelas famílias no processo de acompanhamento e tratamento.
Diagnóstico antes dos dois anos pode mudar a vida da criança
Segundo o médico, o diagnóstico precoce é fundamental e pode ocorrer ainda antes do segundo ano de vida. “Às vezes até abaixo de um ano”, explicou. Ele afirmou que a maior parte dos casos chega aos consultórios com queixa de atraso na fala, o que pode ser um sinal de alerta importante para pais e pediatras.
“Mais de 97% das mães que levam crianças com diagnóstico de autismo relatam como primeira queixa o atraso da fala. Então sempre digo: mesmo que o profissional não entenda profundamente do autismo, que estude o desenvolvimento da fala”, orientou.
Para o especialista, o encaminhamento para um fonoaudiólogo, especialista em linguagem ou neuropediatra ao primeiro sinal de atraso pode evitar prejuízos no desenvolvimento.
Atendimento público enfrenta desafios financeiros
Questionado sobre a estrutura de atendimento em Mato Grosso do Sul e no Brasil, Liberalesso afirmou que o problema não é a falta de vontade política, mas sim de recursos financeiros.
“Tratar uma pneumonia leva 7 ou 10 dias. Mas no autismo falamos de intervenção a vida inteira. E não são poucas horas. São 10, 20, 30 horas por semana”, destacou.
O médico ponderou que não investir no tratamento é ainda mais caro: “Quando você não trata, muitas vezes terá uma pessoa dependente do Estado ou da família pelo resto da vida. O investimento precoce não é gasto, é economia”, defendeu.
Além disso, ele ressaltou a necessidade de formação das famílias para que possam participar ativamente do tratamento. “Se depender só de profissionais, a chance de sucesso é muito pequena”, disse.
O impacto do “aborto social” na exclusão de pessoas com deficiência
Outro tema abordado na entrevista foi o conceito de “aborto social”, que será discutido no Congresso pela assistente social Emília Gama. Liberalesso explicou que o termo se refere à exclusão social das pessoas com deficiência após o nascimento.
Ele citou exemplos de países como Finlândia e Dinamarca, onde, segundo ele, praticamente não nascem mais crianças com síndrome de Down devido à prática do diagnóstico pré-natal e subsequente interrupção da gestação.
“No Brasil, não temos essa cultura. Mas o aborto social fala de algo tão grave quanto: permitir o nascimento, mas não garantir condições para uma vida digna”, afirmou.
O médico destacou que a sociedade precisa superar a ideia de inclusão como algo separado: “Só falamos de inclusão porque ainda há quem esteja fora. O dia em que entendermos que não existe gente dentro e gente fora, mas só nós — todos nós —, não precisaremos mais desse termo”.
Congresso reúne especialistas e quer fortalecer políticas públicas
O Congresso Autismo Sem Fronteira acontece neste sábado (24), em Campo Grande, e reúne especialistas de diversas áreas para debater os desafios e avanços na garantia de direitos às pessoas com autismo.
Na abertura, Paulo Liberalesso vai apresentar a palestra “Entendendo o Autismo”, com foco em diagnóstico, comorbidades associadas — como TDAH e transtornos de desenvolvimento intelectual — e as formas mais eficazes de intervenção.
“Queremos transmitir informação de qualidade, com base científica, algo que, infelizmente, nem sempre está presente em eventos desse tipo”, reforçou o médico durante a entrevista.
Confira a entrevista na íntegra: