Ela é famosa. Não só por seus hits. Também porque usa roupas chamativas, esdrúxulas, fora dos palcos. Ela rompe o padrão dos estilistas, que desfilam peças incomuns, até absurdas, em ambiente próprio. A passarela. Onde a criatividade rola solta, sem amarras. Eles sabem que o consumidor, a massa, para o dia-a-dia, quer mesmo a simplicidade “com grife”.
Lady Gaga, portanto, mistura fantasia e realidade, o que se chama breguice. Pois, nenhuma mulher põe um vestido feito de bife cru, entre alguns do gênero, usados pela cantora, e vai para a rua. Mas qual o nosso interesse nesse assunto? Uma comparação.
Alguns penalistas alemães, seguidos por italianos e espanhóis, criaram o “garantismo”, que é moda no Direito Penal. Grosso modo, é uma tese pela qual a energia do Direito Penal deve ser direcionada para a proteção dos infratores, de quem comete crime; não das vítimas. Isso é uma inversão, uma extravagância?
Na Europa, assim como acontece nos grandes desfiles, as inovações jurídicas não vão para a vida social sem “filtros”. Lá, eles separam a criação intelectual, que é plena, do cotidiano, sempre mais restrito.
Todavia, o Brasil, querendo ser sofisticado, copia as excentricidades teóricas europeias, aplicando-as, na prática, em proporções que até John Galliano pode duvidar. Por exemplo. Aqui, para se ter “atitude” diante do garantismo, devemos deixar o homicida em liberdade, ainda que hediondo o seu crime, enquanto não julgados todos os recursos da defesa (e olha que há uma montanha deles). E aí pouco importa se ele é réu confesso, se já foi condenado em uma ou em duas instâncias judiciais, o tempo que leva o fim do processo, a dor de familiares da vítima, o clamor da sociedade, o descrédito na Justiça etc.
Nós, no Direito Penal, queremos ser vanguardistas e imitar os europeus. Usando as últimas tendências do circuito Berlim-Milão-Madri, de Roxin, Ferrajoli a Silva Sanches. Porém, o que temos aqui é um Direito Penal Lady Gaga, numa cafonice eufórica, ferrenhamente defendida, como essa presunção (quase) ilimitada de inocência. Uma tese afastada do mundo real, do anseio da ampla maioria, da necessidade da sociedade.
Talvez, uma saída para o fim de nossa impunidade possa vir da observação da estratégia da indústria da alta costura. O convencimento, pela argumentação jurídica, está difícil. Karl Lagerfeld, Donatella Versace, Paco Rabanne. O que eles criam para as passarelas não se usa, necessariamente, nas ruas. Na verdade, a sacada deles é abusar, exagerar, chamar atenção, num recinto exclusivo, para, assim, vender bem caro uma camisetinha branca com suas marcas, que é o que povo quer. Isso, para os europeus, é ser chique. “Vous comprenez?”
Pode ser que, desse modo, o nosso Direito Penal entenda melhor a diferença entre teses jurídicas e a realidade. E não passaríamos o carão de sermos confundidos com uma Lady Gaga.
*Evandro Pelarin é juiz de Direito na Comarca de São José do Rio Preto (SP).