Este ano eu fiz penitência das redes sociais. Diminuindo o uso do celular eu voltei até a dormir melhor, acredita? Nada de celular antes de ir pra cama. Nada de celular pra ficar rolando a tela.
Uso restrito e unicamente para trabalho: postar no meu perfil, responder clientes e só. E você?Ficou sem beber cerveja? Como é super comum esse tipo de penitência, né? Me lembro que nos meus 7, 8 anos… Lá em Itanhandu, nas terras altas da Mantiqueira… Minha tia ia à missa todo domingo. Dava 6 horas da tarde e ela já se aplumava para “descer” pra igreja. A gente fala até hoje “descer” porque em Itanhandu tudo é morro.
A casa da minha mãe fica no morro, a casa da minha tia também. A igreja matriz fica lá embaixo, no centro da cidade.
Continuando…
Me lembro dela falando também sobre a Quaresma: nada de ficar falando palavrão… Nada de ficar brincando até tarde na rua porque é o período que o lobisomem fica solto… E claro, quando alguém oferecia pra ela: “Vai uma gelada aí?” Ela sisudamente respondia: “Não. Tô de penitência.” E aquela cervejinha do final de semana ficava só para o tão esperado domingo de Páscoa.
Até que eu cresci e comecei a trabalhar com cerveja. Imagine o bug na minha cabeça ao descobrir que monges católicos passam a Quaresma inteira só bebendo… cerveja! Whaaaat?
E é aqui que começo a minha pequena homilia de hoje.
Ao estudar termos como “Pão Líquido” , “Cerveja do Santo Padre”, “Monges da Ordem Trapista”.
E ao saber também que a cerveja na Idade Média não era considerada apenas um item para diversão e relaxamento, mas sim, um alimento muito nutritivo e inclusive mais seguro para consumo do que a própria água – detalhes ficarão para próxima leitura – foi mais fácil entender que durante a Quaresma muitos católicos consumiam cerveja como única fonte de alimento.
A própria Igreja incentiva a abstinência de alimentos sólidos, entre outras práticas como abster-se do almoço nas sextas-feiras, ou outros alimentos em determinados dias da semana. Levando em conta essa abstinência de sólidos, estilos de cervejas encorpadas e sem filtragem eram produzidos em larga escala pelos próprios integrantes do monastério: para que se alimentassem do “Pão Líquido” durante esses 40 dias de jejum.
E aí nós, da relé mortal, pobres pecadores e muitos na maioria ainda pagãos, ganhamos a agradável herança das cervejas fortes, cheias de turbidez, com alto teor de carboidratos, como as doppelbocks, as weizen doppelbocks… com grande adição de maltes caramelizados, trigo e cereais in natura, que antigamente – e hoje em dia também – em muitos monastérios, saciavam e continuam saciando a fome dos católicos, mantendo-os firmes no decorrer desse ato de fé, força e autodisciplina.
Amém.
por Flávia de Souza Sommelière de cervejas