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POLÍTICA E ECONOMIA RURAL

Novas regras de desapropriação, contrato de safra e crédito mais seletivo pressionam o campo

Projeto que altera a reforma agrária, orientações sobre contratos de safra e avanço das recuperações judiciais formam um ambiente de maior exigência jurídica e financeira para produtores rurais

Legislação agrária, contratos de trabalho e crédito mais seletivo compõem um novo cenário jurídico e econômico para o produtor rural - Foto: Gerada por IA/ Arthur Ayres Portal RCN67
Legislação agrária, contratos de trabalho e crédito mais seletivo compõem um novo cenário jurídico e econômico para o produtor rural - Foto: Gerada por IA/ Arthur Ayres Portal RCN67

O cenário jurídico e econômico do campo passa por uma fase de mudanças relevantes, que combinam alterações na legislação de reforma agrária, necessidade de formalização rigorosa dos contratos de safra e endurecimento das condições para acesso ao crédito. Em conjunto, esses movimentos exigem mais atenção de produtores rurais na gestão de riscos trabalhistas, patrimoniais e financeiros.

Na frente fundiária, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera de forma profunda as regras de desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, modificando a Lei nº 8.629, de 1993. O texto, de autoria de parlamentares ligados ao setor, ainda precisa ser apreciado pelo Senado Federal, mas já provoca intenso debate entre ruralistas e defensores da reforma agrária.

Pela proposta, o descumprimento da função social da propriedade rural — condição essencial para que um imóvel possa ser alvo de desapropriação — somente será configurado se o proprietário deixar de atender, ao mesmo tempo, a três requisitos: obrigações trabalhistas e de bem-estar dos trabalhadores, cumprimento das normas ambientais e utilização racional e adequada dos recursos naturais, respeitando a vocação da terra. Ou seja, a não observância isolada de um desses pontos deixaria de ser suficiente para caracterizar o descumprimento da função social.

Outro ponto central do projeto restringe a desapropriação às propriedades consideradas improdutivas. Terras que produzem, ainda que descumpram outros deveres constitucionais, não poderiam ser alvo de desapropriação para fins de reforma agrária. Além disso, em casos de trabalho escravo ou crime ambiental, o texto exige condenação transitada em julgado para que se reconheça o descumprimento da função social. O projeto também suprime trecho da lei que vinculava o bem-estar de trabalhadores e proprietários à exploração que não gerasse conflitos e tensões sociais no imóvel.

Em paralelo a esse debate, produtores rurais buscam orientações para reduzir riscos trabalhistas na contratação de mão de obra temporária. Uma das principais dúvidas recai sobre o chamado contrato de safra. Especialista em direito do trabalho no campo explica que esse tipo de contrato é o mais disseminado no setor e se enquadra como contrato por prazo determinado, atrelado às etapas da safra.

O contrato de safra pode abranger desde o preparo do solo até a colheita, ou ser dividido por fases, conforme a necessidade da propriedade. Dessa forma, o produtor pode contratar trabalhadores apenas para o plantio, depois para atividades como roçada ou manejo, e, em seguida, para a colheita e o pós-colheita. O importante, segundo o advogado, é que cada vínculo esteja formalizado e documentado.

A recomendação é que o contrato seja sempre feito por escrito, detalhando funções, condições e, preferencialmente, uma previsão de término. No caso da safra, a legislação não exige uma data exata de encerramento como em outros contratos por prazo determinado, mas a indicação de um período provável — por exemplo, entre dois meses específicos — aumenta a segurança jurídica. Já a contratação informal, sem assinatura em carteira e sem contrato, é apontada como um erro grave, que pode resultar em autuações e ações trabalhistas.

Enquanto isso, o ambiente de crédito para o agronegócio sofre os efeitos diretos do aumento de pedidos de recuperação judicial. Em evento realizado na capital federal, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura reconheceu que a escalada dessas recuperações impacta fortemente a concessão de financiamento ao setor. Segundo ele, o tema se tornou o principal fator de preocupação para o sistema de crédito rural.

Na avaliação do secretário, o crescimento das recuperações judiciais compromete todo o sistema financeiro ligado ao agro. Bancos e agentes de crédito tendem a se proteger, adotando critérios mais rigorosos, exigindo mais garantias e reforçando a análise de risco. Como consequência, muitos produtores relatam dificuldade maior para acessar recursos, especialmente em um contexto de taxa básica de juros elevada e quadro fiscal pressionado.

O secretário apontou ainda dois fatores que contribuíram para esse cenário. Um deles foi a entrada de novos investidores no agronegócio durante um ciclo de preços favoráveis, quando predominavam notícias positivas. Na primeira fase de turbulência, parte desse grupo recorreu rapidamente a soluções consideradas pouco ortodoxas, como a recuperação judicial. O outro fator é o protagonismo de segmentos do Judiciário em novas interpretações da legislação sobre o tema, o que traz incerteza adicional.

Os números do maior banco público de fomento ao agro confirmam o freio na tomada de crédito. Na safra 2025/2026, entre 1º de julho e o fim de novembro, o Banco do Brasil desembolsou R$ 85 bilhões em financiamentos ao agronegócio, considerando operações de crédito rural, títulos agrícolas como CPRs, crédito agroindustrial, capital de giro e renegociações de dívidas. No mesmo intervalo da temporada anterior, o valor girava em torno de R$ 105 bilhões, indicando retração significativa.

Quando se observam apenas as operações de crédito rural, a diferença também chama atenção: foram R$ 78 bilhões na safra atual, contra R$ 96 bilhões no período equivalente do ciclo anterior. Ainda assim, o banco mantém uma carteira potencial de cerca de R$ 200 bilhões para o agro, o que mostra que o entrave está menos na disponibilidade de recursos e mais nas condições e na disposição dos produtores para assumir novos compromissos.

Diante desse quadro, fica claro que o produtor rural precisará navegar em um ambiente de regras mais detalhadas e crédito mais seletivo. Cumprir com rigor as exigências trabalhistas e ambientais, formalizar adequadamente contratos de safra e planejar o uso do crédito com atenção aos riscos jurídicos e financeiros deixam de ser opção e passam a ser condição de sobrevivência e competitividade no campo.