O Café Literário de encerramento da Bienal do Livro no Rio com o poeta Ferreira Gullar teve mediação do também poeta Eucanaã Ferraz. Aos 85 anos, Gullar acaba de lançar Autobiografia Poética e Outros Ensaios, e repassa sua trajetória desde a cidade natal, São Luiz do Maranhão, ao exílio e o retorno ao Brasil.
Para uma plateia lotada, o poeta comparou a cidade onde nasceu a Macondo, cidade fictícia do romance Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel Garcia Marquez, onde tudo acontece depois. Disse que as novidades demoravam a chegar em São Luiz e, por isso, quando começou a escrever, era como se estivesse no século passado.
Em pouco tempo sentiu necessidade de se mudar. “Eu não aguentava mais ficar em Macondo e vim para o Rio de Janeiro. Tinha 21 anos de idade”, completou. Na cidade publicou, em 1954, o livro A Luta Corporal. “É um livro que termina com a desintegração da linguagem, quer dizer, nada mais contrário à arte concreta. Mesmo assim eu me interessava pela arte concreta”, destacou.
Gullar recordou ainda que, por ser comunista, enfrentou perseguição no período da ditadura no Brasil e acabou tendo que sair do país. Morou em Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires.
Foi na capital argentina que escreveu o Poema Sujo. De acordo com o escritor, ao mostrar o poema ao amigo Vinícius de Moraes, ele pediu que o gravasse. E foi assim, com a voz de Gullar, que Poema Sujo chegou ao Brasil. Depois de algumas cópias, a obra foi publicada em 1976.
“A minha vida nasce do espanto. Eu nunca planejei ser poeta ou fazer carreira literária. O que me apaixona eu vivo”, disse.
Ao terminar a conversa no Café Literário, Gullar disse estar surpreso com o sucesso da Bienal, especialmente porque, apesar da era digital, mostra que o interesse pelo livro impresso permanece.
“Eu fiquei muito feliz quando cheguei e vi a quantidade de gente que está aqui comprando livros e visitando os estandes de livrarias. É uma coisa entusiasmante. A feira é uma coisa vitoriosa, não tem dúvida”, disse.
Para o poeta, a criatividade é um jogo entre o acaso e a necessidade. Ele contou que quando está diante de um papel em branco não tem ideia do que vai criar, mas depois de terminada a obra, quando começa a ser conhecida se torna necessária. “Quem não tem criatividade para a arte pode fazer outra coisa, mas a arte não vai fazer, porque as pessoas têm que ter talento, seja para jogar futebol, seja para fazer poesia”, contou.
Ferreira Gullar comentou o interesse e o encantamento de tantas pessoas que foram assistir a conversa e estavam aguardando para conseguir um autógrafo no fim do encontro. “Não sei qual é a razão. Alguns gostam da minha poesia, outros das crônicas que escrevo. Isso aí não sei direito”, disse.
Ele se surpreendeu também com a quantidade de público, mesmo sendo um dia chuvoso no Rio. E os visitantes tendo que enfrentar engarrafamento para chegar ao Riocentro. "Sinceramente eu não imaginei que tivesse tanta gente aqui interessada em livro. É fantástico, é muito bom. Acho que o livro é uma coisa fundamental. Não acredito que ninguém vá ler Guerra e Paz na internet. Eu duvido. As 800 páginas de Guerra e Paz. Duvido. Não lê", destacou fazendo um paralelo com as edições digitais.
O estudante Douglas da Silva, de 14 anos, foi uma das pessoas que visitaram a Bienal em seu último dia. Ele estuda no Colégio Pedro II e mora em Realengo, na zona oeste. Levou uma hora e meia de ônibus para chegar ao local, mas não considerou sacrifício, porque estava em busca da emoção que sentiu na edição passada, quando foi à feira pela primeira vez com um passeio de colégio. "O livro leva a gente para lugares incríveis sem a gente sair do lugar. É bom vir porque a gente encontra livros com preços bons", disse.