Depoimento à CPI expõe fragilidade da regulação do transporte público em Campo Grande
Em depoimento nesta quarta-feira (21) à CPI do Transporte Público da Câmara Municipal de Campo Grande, o ex-diretor da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), Odilon de Oliveira Júnior, revelou um conjunto preocupante de falhas estruturais, omissões administrativas e indícios de movimentações financeiras suspeitas envolvendo o Consórcio Guaicurus, responsável pelo transporte coletivo da capital sul-matogrossense.
Durante a oitiva, Odilon admitiu que optou por advertências em vez de multas formais ao consórcio, alegando limitações jurídicas e a ausência de equipe fiscal.
“A gente aplicava advertência porque existia o rito jurídico e não dava para multar de imediato. Mesmo assim, conseguimos a substituição de 71 ônibus”, afirmou, em referência à renovação parcial da frota após pressão institucional.
O ex-diretor também relatou que a Agereg funcionava sem fiscais ou auditores durante sua gestão. “Na minha época não havia fiscais. E ainda assim atendíamos às demandas”, justificou. Segundo ele, a agência deveria ter, ao menos, um auditor fiscal, contábil e econômico, o que nunca se concretizou por entraves orçamentários e o chamado “limite prudencial”.
Suposto repasse irregular de R$ 23,5 milhões
O ponto mais grave do depoimento foi a revelação de um repasse de R$ 23,5 milhões a uma empresa não listada no contrato do consórcio.
“A Viação Cidade dos Ipês recebeu esse valor, mas não integra formalmente o Consórcio Guaicurus. Isso foi detectado por uma análise feita em parceria com a Controladoria-Geral do Município”, disse Odilon.
Segundo o ex-diretor, o endereço da empresa coincide com o da Viação São Francisco, cuja estrutura estaria abandonada. No entanto, ele não soube informar se houve investigação formal posterior.
“O valor acabou retornando, mas não sei exatamente quanto ou como. O Corsini, que ajudou na apuração, pode esclarecer isso”, finalizou, referindo-se ao auditor José Corsini, convocado para depor nos próximos dias.
Contrato blindado e pressão judicial
Ao ser questionado sobre a possibilidade de rompimento do contrato com o Consórcio, Odilon foi categórico: “Os prefeitos Marquinhos Trad e Adriane Lopes já cogitaram romper o contrato, mas havia amarras jurídicas que impediam”. A alegação reforça a tese de que o acordo firmado com o consórcio dificulta a responsabilização por falhas na prestação de serviço.
Mesmo em meio a greves e paralisações, a estratégia adotada foi seguir aplicando notificações brandas, evitando embates judiciais diretos.
“O contrato é robusto e o consórcio tem bons advogados. É preciso agir com responsabilidade jurídica”, ponderou.
Falta de estrutura e ausência de concursos
O depoente ainda destacou a precariedade da agência. “Nunca houve ingerência técnica dos prefeitos, mas a Agereg tem estrutura limitada desde a sua criação em 1999”, afirmou. Segundo ele, a regulação no país era incipiente à época, e a estrutura da agência não acompanhou o crescimento da demanda.
“É inadmissível que um órgão responsável por regular contratos de centenas de milhões de reais funcione com quatro fiscais ou nenhum”, disse a vereadora Ana Portela (PL), ao cobrar explicações mais detalhadas sobre a estrutura da Agereg.
Tarifa binária e pandemia como argumento
Odilon também usou a pandemia como justificativa para a implementação da tarifa binária – modelo que divide o valor da passagem entre tarifa técnica (custo real) e tarifa social (valor pago pelo usuário).
“A queda de passageiros inviabilizava o reajuste tradicional. Era necessário equilibrar as contas sem penalizar o usuário”, argumentou.