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ENTREVISTA

Decisão do STF pode abrir caminho para censura privada, avalia especialista em Direito Digital

Raphael Chaia critica mudança no Marco Civil da Internet e alerta para consequências jurídicas e sociais da nova interpretação

Raphael Chaia nos estúdios da Massa FM Campo Grande - Foto: Luiz Gustavo Soares/Portal RCN67
Raphael Chaia nos estúdios da Massa FM Campo Grande - Foto: Luiz Gustavo Soares/Portal RCN67

A formação de maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para responsabilizar judicialmente plataformas digitais por conteúdos de terceiros está provocando reações no meio jurídico.

Durante entrevista ao programa Microfone Aberto, da Massa FM Campo Grande, nesta segunda-feira (16), o professor e especialista em Direito Digital, Raphael Chaia, classificou a mudança como um “paradoxo jurídico” e alertou para o risco de uma escalada de censura privada nas redes sociais.

Segundo Chaia, a principal mudança em relação ao artigo 19 do Marco Civil da Internet é que as plataformas poderão ser responsabilizadas mesmo sem ordem judicial, bastando apenas a notificação por parte de quem se sentir prejudicado. “Na prática, isso pode nos levar a uma situação de censura privada”, afirmou.

“Se eu, plataforma, passo a ser responsável por tudo que os usuários publicam, obviamente vou filtrar previamente o que pode ou não ser publicado. E o que não for seguro, será barrado antes mesmo de ir ao ar.”

Risco de exclusão em massa

O especialista prevê um aumento exponencial de exclusões de conteúdo e banimento de contas, como efeito imediato da nova interpretação. Ele citou um estudo do think tank Reglab, chamado O Preço da Moderação, que estima até 750 mil novas ações judiciais e custos de R$ 770 milhões até 2029 com base nesse novo cenário.

“É uma mudança de paradigma. As big techs não vão mais esperar alguém publicar para depois excluir. Vão impedir a publicação, para evitar a responsabilização. E isso bate direto na liberdade de expressão”, pontuou.

Mais poder às empresas privadas

Chaia questiona a decisão do STF por transferir a responsabilidade de moderação de conteúdo do Judiciário para empresas privadas. “O Judiciário tirou de si a obrigação de emitir ordens judiciais e delegou às plataformas o poder de decidir o que pode ou não ser publicado. É uma inversão que compromete princípios básicos da internet”, declarou.

Ele ainda provocou uma reflexão: “Se estamos responsabilizando plataformas pelo conteúdo de terceiros, vamos responsabilizar também as operadoras por ligações de golpes? Ou jornais por investigações que incomodem alguém? Onde traçamos o limite?”

A internet já tem leis, diz especialista

Para Chaia, o argumento de que “a internet é uma terra sem lei” não se sustenta. “É um argumento preguiçoso. Todas as leis do país se aplicam à internet: Código Civil, Penal, Marco Civil, LGPD, tudo. Se fosse terra sem lei, não teríamos decisões judiciais diárias sobre o tema”, afirmou.

Ele defende que o problema não está na falta de normas, mas na dificuldade de identificação dos responsáveis pelas postagens. Como alternativa, sugeriu vincular contas de redes sociais a CPF ou CNPJ, o que traria mais controle sem necessariamente comprometer a liberdade de expressão.

Sinal de alerta

O especialista também demonstrou preocupação com a declaração do ministro Gilmar Mendes, que disse que “todos somos admiradores do regime chinês” durante o julgamento.

Chaia lembrou que a China adota o chamado grande firewall, sistema de controle informacional que impede o acesso a plataformas como Facebook, Google e WhatsApp.

“Adotar um modelo como o chinês é admitir o fim da internet plural, aberta e participativa. É entregar o controle da informação a um ente central — e isso não combina com uma democracia”, afirmou.

A decisão do STF ainda não foi concluída, mas já conta com maioria formada para considerar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O julgamento segue repercutindo entre juristas, produtores de conteúdo e usuários.

Confira a entrevista na íntegra: