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Entrevista

‘Meu pai não planejou a sucessão e perdemos tudo’: relato de um especialista

Mateus Simões alerta para os riscos da falta de planejamento sucessório e compartilha experiência pessoal marcada por perdas e aprendizados

professor > Mateus Simões é atualmente vice-governador de Minas Gerais _ Foto: ADRIANO HANY/ RCN 67
professor > Mateus Simões é atualmente vice-governador de Minas Gerais _ Foto: ADRIANO HANY/ RCN 67

Muitas empresas enfrentam sérios problemas devido à falta de planejamento sucessório. Um dos especialistas nesta área é o professor da Fundação Dom Cabral e vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões de Almeida. Nesta semana, ele esteve em Campo Grande e conversou com exclusividade com a equipe de jornalismo do Grupo RCN. Simões relatou sua experiência pessoal, destacando a dificuldade enfrentada pela sua própria família no processo de sucessão e como os desafios dos empresários refletem em toda a sociedade.

O senhor acredita que as lideranças empresariais no país já despertaram sobre a importância estratégica da sucessão empresarial e não apenas como uma formalidade?
MATEUS SIMÕES
 Eu vou fazer uma reflexão sobre isso. Olhando para um estado como o Mato Grosso do Sul, que está em todas as manchetes de jornais como destaque socioeconômico, puxando o resto do Brasil em termos de geração de emprego e renda, eu pergunto: quem vai tomar conta desses negócios, dessas fazendas, desses comércios, dessas indústrias daqui a 10, 15, 20 anos? A verdade é que a população empresarial do Mato Grosso do Sul é ainda uma população jovem. Os maiores empresários do estado estão ainda aí na casa dos seus 50 anos de idade, mas os seus filhos, com 20 e poucos anos, estão começando a chegar para trabalhar. E para que ninguém se engane. Se os negócios vão mal, a economia vai mal. Se a economia vai mal, falta emprego para todo mundo. Então, não é uma preocupação com o dono da empresa, mas com toda a sociedade. É como uma obra abandonada que gente vê na cidade, sempre que passa por ela. No campo, quando você vê um empreendimento abandonado, não consegue entender como é que o sujeito largou uma fazenda boa, deixou o mato tomar conta, está perdendo as licenças ambientais que tinha. A reação das pessoas, em 50% das vezes é falar: ‘isso aí é briga de inventário’. Outras vezes vão falar: ‘isso aí é filho que não conseguiu tomar conta das coisas do pai’. E esse é um problema que aflige todo mundo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, aflige São Paulo, Minas. É claro que, quanto mais jovem a economia de um estado, maior é o desafio que a gente encontra nessa hora. Acho que as pessoas estão percebendo, pelo menos essa é a minha sensação, que as pessoas, hoje, já percebem que não cuidar da sucessão é colocar em risco o patrimônio que elas juntaram, é colocar em risco os negócios e a vida das cidades, inclusive.

Existe um momento certo para começar essa discussão, para essa sucessão?
MATEUS SIMÕES
 Sucessão é um processo de experimentação. Se você teve a oportunidade de viver ao lado de quem está comandando, comandar junto com ele, foi recebendo delegação ao longo do tempo, você está pronto. Quando você faz isso com um filho, você deixa um filho pronto ou conclui que o filho não será a pessoa certa nessa sucessão, porque também pode ocorrer. E a gente vai procurar uma outra pessoa, mas quanto antes a gente fizer esse processo, melhor. Eu tenho uma experiência pessoal muito traumática nisso. Meu pai era produtor rural, a gente mexia com gado de corte, eu morei na fazenda até os 15 anos, e também tinha negócios na construção civil. No carnaval de 1996, eu tinha apenas 14 anos de idade e, pela primeira vez, eu recebi autorização dos meus pais para passar o carnaval fora de casa. Quando eu voltei da folia, meu pai e minha mãe tinham morrido num acidente de carro voltando da fazenda. Meu pai não se preparou para a sucessão, porque o filho era novo, ele achava que não precisava. Nós não ficamos pobres, mas nós tivemos que vender todos os nossos negócios. Hoje, muitas vezes, tenho tristeza de passar na frente de uma propriedade ou de uma obra e falar: ‘isso aqui já foi nosso’. Mas a gente não ficou com isso porque meu pai morreu e a gente não tinha quem tocasse. Então, falar de sucessão é isso, é entender se é o filho que vai se preparar ou se será preciso buscar uma solução externa para não pagar um preço mais caro depois.

Existe algum modelo que o senhor considere ideal ou inspirador para que essa sucessão possa ser mais suave?
MATEUS SIMÕES 
Fórmula de sucesso eu conheço poucas. Eu conheço muitas fórmulas de insucesso. O que eu quero dizer com isso? A forma como as famílias erram é mais ou menos a mesma todas as vezes. São coisas que eu vejo e falo, eu já vi esse filme. O empresário deve perceber que a dor dele não é só dele, que outras famílias vivem exatamente a mesma coisa, que a gente sempre acha que o nosso problema é o maior do mundo. Relatos como ‘minha filha brigou comigo, eu briguei com o meu genro, minha filha não quer trabalhar na empresa porque o marido dela não quer, meu filho quer vir, mas ele não dá conta do trabalho’. Todo mundo vive esses mesmos problemas. Outro fato é que tem coisas que deram errado mil vezes. Você quer ser o mil e um a tentar a mesma coisa dando errado? Por quê? Eu conheço gente que ganhou dinheiro e prosperou com muito estudo, gente que fez com pouco estudo, gente que fez aproveitando a oportunidade, gente que fez seguindo a tradição da família. Agora, a forma de errar eu vejo se repetir demais. Vou dar o exemplo com o seu avô. Eu tenho certeza que se sentarmos eu, você e o seu avô para falar sobre gado, seu avô está mais preocupado com preço e peso do gado do que com genética e velocidade. Sendo que você, que é de uma geração mais nova, está mais preocupado com genética e velocidade de abate do que com o preço da arroba ou da res naquele momento. Hoje, a gente abate gado mais leve e mais jovem para poder rodar mais rápido. E aí você vai falar para o seu avô que abateu o boi barato, mas comprou o bezerro de reposição barato, não faz diferença. Ele vai falar: ‘não, meu filho, tem que comprar o bezerro barato e vender o boi caro, segura ele mais um pouco, vamos vender mais na frente’. E aí você argumenta que o custo da terra é difícil. Como é que a gente concilia isso com gestão? Eu falo que nada melhor do que uma boa planilha, em que a gente possa olhar e entender qual a melhor estratégia. Pode ser que ele tenha razão em parte, pode ser que você tenha razão em parte e a gente tenha de construir essa solução. E os empresários de Mato Grosso do Sul, que são na maioria do setor agrícola e da pecuária, precisam dar mais valor para a gestão, para números confiáveis. Eu falo que se a planilha existe, mas eu preciso de uma pessoa junto para me explicar a planilha, a planilha não existe. Está faltando gestão, porque a planilha tem que se explicar sozinha, sem depender de intérprete. E eu acho que é assim que a gente concilia a visão dos mais antigos com os mais jovens, porque no final todo mundo quer a mesma coisa, a prosperidade do negócio.

Há espaço para políticas públicas que incentivem essa gestão familiar? Você acha que o Estado pode ajudar as empresas a se prepararem para isso?
MATEUS SIMÕES 
Eu acredito que sim, aí falo como vice-governador do estado de Minas Gerais, que tem 22 milhões de habitantes. Mato Grosso do Sul tem aproximadamente 15% da população do estado de Minas Gerais, e ainda assim é tão complexo. O que a gente percebe? Primeiro, se o Estado sair da frente, ele já ajuda muito. Mato Grosso do Sul tem muito a ensinar para o resto do Brasil porque desburocratizou, simplificou, facilitou. Mas, além disso, especialmente para as populações com menos acesso, nós temos a obrigação de mostrar a importância da sucessão. A gente fala de sucessão, parece que eu estou falando só do grande industrial, mas pega a pequena propriedade com cerca de 20 hectares, que tem 15 vacas de leite para sustentar uma família de 5 pessoas. Essas pessoas não estão vivendo bem. Se a gente não organizar o processo de sucessão para eventualmente migrar para a produção de leite intensivo e eventualmente beneficiar esse leite dentro da propriedade fazendo queijo artesanal, se a gente não conseguir mostrar para os filhos que tem valor em ficar ali, nós vamos perder essa população. Muito dessa migração que a gente continua assistindo da população das pequenas propriedades para dentro das cidades, está virando problema de assistência social nas cidades. Isso é falta de políticas voltadas para a sucessão. Nessas famílias, o Estado tem que entrar ajudando a mostrar a importância de manter essas pessoas, por exemplo, no campo ou nos pequenos comércios, de integrar essas pessoas dentro das suas atividades. Esse é o desafio.