Em entrevista ao Roda Viva desta segunda-feira (18), o intelectual pacifista fala sobre o poder das palavras diante do conflito, comenta sobre suas obras, a literatura israelense e seu teor político
O escritor David Grossman, um dos mais expressivos da nova geração de autores israelenses que nasceram no próprio país, marcou presença no Roda Viva ontem (18), exibido pela TV Cultura, às 22h, com apresentação do jornalista Paulo Markun.
Grossman dá início à entrevista falando sobre Orah – personagem principal de seu livro A Mulher Foge, lançado recentemente no Brasil -, que percorre o país para não correr o risco de receber a notícia de que seu filho morreu na guerra. Com esse perfil, ele abre o assunto dos conflitos que cercam a vida da população onde vive e fala da literatura israelense.
Questionado sobre o poder da educação para reverter à situação de guerra, ele é enfático: "Infelizmente, a paz não será atingida através da educação das crianças, mas da decisão de líderes israelenses e palestinos e de negociadores duros que se sentarão para elaborar acordos possíveis para ambas as partes. Mas a questão da educação é muito importante. E é difícil educar as pessoas a acreditar no outro, a serem menos desconfiadas, a correr riscos, a respeitar o outro quando se está em uma guerra. Estamos fazendo o melhor possível em Israel", afirma Grossman, que completa: "E devo dizer que a situação na Palestina não é melhor do que em Israel. Há uma constante lavagem cerebral dos dois lados".
O teor político da literatura israelense é outro assunto em pauta. E sobre isso, Grossman faz duras criticas: "Como escritor israelense, estou acostumado a esse fenômeno de qualquer texto criado em Israel ser logo interpretado como somente político, o que é, certamente, um erro. Creio que há esse aspecto em tudo o que vem sendo escrito em Israel, em qualquer texto sério, mas não é o único. A literatura é um pouco mais complexa e condensa o que temos recebido da mídia".
O escritor também comenta o papel das palavras na solução desses conflitos, demonstrando claramente seu tom pacifista em relação ao que acontece em seu país. Quando perguntado se os conflitos podem ser resolvidos com palavras, ele afirma: "O que sei é que não pode ser resolvido pela força. Durante mais de 100 anos judeus e árabes, nessa área atormentada do mundo, lutam e tentam se matar. E um lado não consegue eliminar o outro. Eles precisam viver juntos, coexistir, fazer concessões dolorosas. E para que isso aconteça, precisamos de palavras, inclusive para lembrar de que não estamos fadados a viver e morrer pela espada, de que não há um decreto divino que dite que todos os israelenses e palestinos devam matar uns aos outros".
Para ilustrar uma possível forma de resolver a guerra entre palestinos e israelenses, o escritor faz um paralelo com o futebol: "Nosso conflito não é uma partida de futebol. Em um jogo você deve torcer por um time e, em geral, odeia-se o outro. Quando se trata do nosso conflito, de qualquer conflito humano, é preciso apoiar as duas equipes. É preciso compreender e estar comprometido com a complexidade dos dois lados. Essa é a única maneira de resolver a questão".
Ele também elogia a atuação do presidente americano Barack Obama: "O senhor Obama é abençoado com uma qualidade que George Bush não tinha. Por sua natureza, o senhor Obama é abençoado com um olhar multifocal da realidade. Ele vê as coisas de uma forma muito elaborada e complexa. Essa é a maneira de solucionar nosso problema", finaliza.
Para David, a busca pela paz passa também pela mão dos intelectuais: "Acredito que escritores, intelectuais e professores têm de ser muito criativos e insistir em contar a história de forma a permitir que as pessoas abram o coração para a idéia da paz".
Durante a entrevista, gravada em setembro de 2009, o convidado também conta histórias acerca da produção de várias de suas obras, diz qual a razão da escrita em sua vida, menciona algumas passagens bíblicas e fala de religião e ateísmo.