O câncer de mama continua sendo uma das maiores preocupações da saúde pública feminina no Brasil. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o país deve registrar, em média, 73 mil novos casos em 2025.
Os dados também mostram que, apesar dos avanços tecnológicos e da ampla divulgação de campanhas, a prevenção ainda enfrenta barreiras. Em 2023, apenas 22,49% das mulheres sul-mato-grossenses na faixa etária recomendada realizaram a mamografia — índice muito abaixo da meta da Organização Mundial da Saúde, que estabelece cobertura mínima de 70% entre 50 e 69 anos. No mesmo ano, o Estado registrou 265 mortes por câncer de mama.
Fatores de risco relacionados ao estilo de vida agravam o cenário. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/2019), 59,3% das mulheres de Mato Grosso do Sul apresentavam excesso de peso — o quarto maior percentual do país. O acúmulo de gordura corporal está associado a alterações hormonais e processos inflamatórios que favorecem o surgimento de tumores. Além disso, 25,2% das mulheres do Estado declararam consumir bebidas alcoólicas uma vez ou mais por mês, taxa que coloca Mato Grosso do Sul em terceiro lugar nacional nesse indicador.
A baixa prática de atividade física também é um desafio. Apenas 28,2% das mulheres sul-mato-grossenses cumprem o nível recomendado de exercícios semanais — 150 minutos de atividade moderada ou 75 minutos em ritmo vigoroso —, número inferior à média ideal para reduzir o risco de câncer e outras doenças crônicas.
Mesmo diante desses fatores de risco, a adesão aos exames de rastreamento tem oscilado. De 2020 a 2024, o número de mamografias realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em mulheres de 50 a 69 anos cresceu de 13.279 para 31.450, mas o alcance ainda está longe de abranger toda a população feminina. Em 2024, 59,3% dos exames feitos no Estado se concentraram nessa faixa etária, enquanto apenas 0,9% foram em mulheres de 35 a 39 anos e 2,2% em idosas acima de 70.
É nesse contexto que o Hospital de Câncer Alfredo Abrão, em Campo Grande, tem se destacado pela ampliação dos serviços de prevenção e diagnóstico. A instituição incorporou recentemente um mamógrafo 3D de última geração, capaz de oferecer imagens mais precisas e reduzir falsos positivos. A novidade, segundo a presidente Sueli Lopes Telles, tem contribuído para o aumento da procura durante a campanha do Outubro Rosa, que neste ano ampliou o público-alvo para mulheres de 40 a 74 anos.
Sueli Telles fala sobre os resultados da campanha, o impacto do novo mamógrafo, as dificuldades financeiras enfrentadas pelo hospital e a importância de conscientizar as mulheres sobre o autocuidado e a detecção precoce da doença.
O mês de outubro costuma intensificar as ações de combate ao câncer de mama, mas ainda assim muitas mulheres deixam de realizar a mamografia. O que explica essa resistência, mesmo com tantas campanhas e informações disponíveis?
Sueli Telles - Outubro é um mês de conscientização mesmo, é aquele momento de parar e pensar: “Será que eu fiz meu exame?”. Mesmo pessoas que têm convênio muitas vezes não vão fazer. O hospital investe em prevenção não só em outubro, mas também em novembro. A gente sabe que o diagnóstico precoce salva vidas.
Neste ano, o hospital apresentou uma novidade: ampliamos a faixa etária para 40 a 74 anos, porque temos visto casos também em pessoas idosas. E a campanha está sendo um sucesso, estamos atingindo as metas todos os dias. Acredito que o novo mamógrafo também ajudou nisso. Mesmo assim, muitas mulheres ainda têm tabu em relação à mamografia. É importante lembrar do autoexame: se tocar, observar se há algo estranho. Diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso do tratamento.
A senhora citou que o novo mamógrafo tem contribuído para o sucesso da campanha. Que tipo de inovação esse equipamento trouxe e de que forma ele tem ajudado no diagnóstico e no atendimento às pacientes?
Sueli Telles - O hospital tem investido em equipamentos de última geração. Fizemos isso recentemente com o acelerador, e agora com o novo mamógrafo 3D, que oferece mais precisão e comodidade para a paciente. Acredito que é o primeiro desse tipo no Estado — talvez nem as clínicas particulares tenham ainda. A precisão dele é incrível e ajuda a reduzir falsos positivos, trazendo mais segurança tanto para o paciente quanto para a equipe médica.
Quantos exames estão sendo feitos por dia neste mês?
Sueli Telles - A meta era 80 por dia, mas já tivemos dias com 100 ou 110. Não deixamos nenhuma mulher voltar pra casa sem fazer o exame. Até sexta-feira passada, já tínhamos atingido 800 mamografias. Para se ter uma ideia, só este ano o hospital realizou 123 cirurgias de câncer de mama, 5.262 quimioterapias e 153 radioterapias. É muito importante que as mulheres se conscientizem: quanto mais cedo fizer o exame, maiores são as chances de cura.
O hospital recebe repasses públicos para realizar exames, mas a gente sabe que o valor nunca cobre tudo. Essa também é a realidade do Hospital Alfredo Abrão?
Sueli Telles - Sim. Temos déficit mensal porque o custo real é bem maior do que o valor pago pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por exemplo, o SUS paga R$ 264 por uma ressonância, mas o hospital precisa pagar R$ 550 quando faz por meio de empresa terceirizada. Isso gera déficit.
Nas tomografias, temos contrato para 960 exames, mas realizamos 1.300. Só de mamografias, fora a campanha, fazemos 460 por mês — e agora serão mais 1.760 neste outubro. Nossa fila de tomografia, por exemplo, já está para dezembro.
E como o hospital equilibra as contas diante desse déficit?
Sueli Telles - É difícil. Em 2023, o déficit mensal era de R$ 777 mil. O governo do Estado fez um aporte de R$ 500 mil no fim do ano, o que ajudou, mas o custo da oncologia é alto e o déficit continua aumentando. Estamos em diálogo com o Estado e o município para tentar reforçar o apoio. Muitas vezes precisamos escolher quem pagar — um mês quitamos um fornecedor, no outro deixamos outro para trás, equilibrando as contas como dá. Além disso, o telemarketing arrecada pouco, entre R$ 190 mil e R$ 250 mil em doações. E, curiosamente, quem mais doa são as pessoas com menos recursos, aquelas que ajudam com R$ 10, R$ 20.
E pra quem quiser fazer o exame, como funciona?
Sueli Telles - É só ir até o Hospital de Câncer Alfredo Abrão, na Rua Marechal Rondon, bem no centro de Campo Grande, a partir das 6h da manhã, até o dia 31. Estamos realizando mamografias de segunda a sábado. São 80 senhas por dia, mas, se precisar, fazemos mais. O atendimento é para mulheres de 40 a 74 anos, mas, se houver histórico familiar de câncer precoce, também atendemos a partir dos 30, 32 ou 35 anos.
Não há preparo especial. Basta levar CPF, RG e cartão do SUS. E o mais importante: compartilhe essa informação. Fale com as vizinhas, amigas, colegas. O exame é rápido e pode salvar vidas.
O hospital vem expandindo a estrutura nos últimos anos. O que há de novo nesse sentido?
Sueli Telles - O hospital tem avançado muito. Quando falamos da última vez, tínhamos inaugurado 32 leitos; agora já são 64. Oferecemos atendimento SUS com qualidade de hospital particular — e isso é possível. Também já compramos um novo acelerador linear, que está em fase de fabricação. Muito obrigada pela oportunidade de estar aqui mais uma vez.