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SOBRE TERRAS NO MS

STF julga em dezembro lei do marco temporal que atinge 37 terras indígenas em MS

Julgamento da Lei 14.701 pelo STF pode redefinir demarcações e indenizações em 37 terras indígenas de Mato Grosso do Sul.
Julgamento da Lei 14.701 pelo STF pode redefinir demarcações e indenizações em 37 terras indígenas de Mato Grosso do Sul. Foto: Divulgação | STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) inicia em 5 de dezembro, em sessão virtual, o julgamento da Lei 14.701/2023. Essa lei restabelece o marco temporal e atinge diretamente 37 terras indígenas em Mato Grosso do Sul. O processo, que deve se estender até 15 de dezembro, pode redefinir o futuro das demarcações no Estado. Além disso, pode abrir caminho para um modelo de indenizações bilionárias para ocupantes não indígenas.

O caso volta ao plenário porque PP, PL e Republicanos pediram a validação da lei. Enquanto isso, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) solicita que a norma seja considerada inconstitucional. O tema retorna à pauta após nove meses de debates sem consenso na comissão de conciliação criada pelo próprio Supremo para buscar uma saída negociada.

Funai vê risco de anulação de processos e distorção histórica

De acordo com a Funai, 18 terras indígenas em Mato Grosso do Sul estão em estudo e outras 19 já tiveram a demarcação iniciada. No entanto, essas demarcações não foram concluídas. Todas, segundo a fundação, são impactadas pela Lei 14.701. Isso ocorre porque a norma exige comprovação de presença indígena na área em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse critério é visto como inadequado por ignorar expulsões, remoções forçadas e conflitos anteriores.

A lei também determina que os procedimentos em andamento sejam adaptados às novas regras. Há possibilidade de anulação dos processos que não se encaixarem nas exigências. Para a Funai, essa mudança cria insegurança e ameaça demarcações em fase avançada. Especialmente em regiões onde há histórico de disputa fundiária.

Outro ponto criticado é a exigência de prova de “renitente esbulho” em 1988, ou seja, a demonstração de conflito físico ou judicial naquele período. A fundação lembra que, antes da Constituição, os povos indígenas dependiam da própria Funai para ingressar com ações. Isso torna mais difícil comprovar a resistência formal à ocupação.

A instituição contesta ainda a proibição de ampliar áreas já demarcadas. Muitas demarcações antigas, feitas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), não levaram em conta a cultura, o modo de vida e a dinâmica territorial dos povos. Na avaliação da Funai, isso exige revisões para ajustar os limites às realidades atuais.

Convenção 169 e povos afetados em 20 municípios

A Funai também aponta violações à Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e ao artigo 231 da Constituição. A lei prevê situações em que a consulta aos povos indígenas não é obrigatória. Esse mecanismo é considerado essencial para garantir participação prévia em decisões que afetam diretamente suas terras e modos de vida.

As áreas em estudo em Mato Grosso do Sul incluem territórios tradicionalmente ocupados pelos povos Kinikinau, Terena, Guarani Kaiowá, Guarani e Guarani Nhandeva. Eles vivem em cerca de 20 municípios, entre eles Miranda, Ponta Porã, Amambai e Dourados, regiões marcadas por disputas históricas por terra.

Comissão discute modelo de indenização e manutenção da lei

Os debates da comissão de conciliação, criada pelo STF, envolveram representantes da União, do Congresso Nacional, de povos indígenas e do setor agrícola. O grupo realizou 23 audiências. Mesmo sem consenso, encaminhou ao Parlamento um anteprojeto com propostas de alteração da Lei 14.701. Esse anteprojeto inclui novas regras para demarcações e previsão de indenização a ocupantes não indígenas.

Segundo representantes do agronegócio, o modelo esboçado pode resultar em indenizações bilionárias e prevê pagamentos em dinheiro, títulos ou precatórios. Um dos parâmetros citados é o acordo firmado em Antônio João, que destinou R$ 146 milhões para compensar fazendeiros pela área da Terra Indígena Ñanderu Marangatu. Essa área está localizada em faixa de segurança nacional e pertence à União. Nesse desenho, o produtor poderia permanecer na área até a conclusão da negociação. Segundo o setor, isso oferece maior segurança jurídica.

O segmento ruralista afirma ter conseguido incorporar 40 das 96 propostas apresentadas ao longo das discussões. Além disso, mantém cerca de 80% do texto original da Lei 14.701. Entre os pontos defendidos estão a abertura dos procedimentos da Funai, a participação de estados e municípios nas discussões e a autonomia dos povos indígenas para firmar parcerias econômicas. Isso inclui atividades como turismo ou mineração, com previsão de compensações ambientais.

Lideranças indígenas falam em retrocesso e exploração

Por outro lado, lideranças indígenas avaliam que as propostas fragilizam as demarcações e criam brechas para questionamentos que podem paralisar os processos em curso. O advogado Maurício Terena, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), sustenta que as mudanças alteram o regime constitucional inaugurado em 1988. Além disso, ampliam a exploração econômica de terras indígenas.

Ele destaca que o plenário do STF ainda dará a palavra final sobre a Lei 14.701 e o marco temporal. Apesar das pressões e da falta de consenso na comissão, Terena acredita que a Corte não permitirá retrocessos em direitos já reconhecidos aos povos originários. Assim, o julgamento de dezembro se torna decisivo não apenas para 37 áreas em Mato Grosso do Sul. Torna-se também crucial para a política de demarcação em todo o país.