Veículos de Comunicação

SEGURANÇA PÚBLICA

Avanço do Corredor Bioceânico pressiona estrutura da PRF em MS

Relatório nacional projeta mais cargas, trechos críticos e necessidade de reforço policial na fronteira sul-mato-grossense rumo ao Pacífico

Superintendência da PRF no estado conta hoje com 9 Delegacias, 24 Unidades  e pouco mais de 600 policiais - Foto: Fernando de Carvalho/Portal RCN67
Superintendência da PRF no estado conta hoje com 9 Delegacias, 24 Unidades e pouco mais de 600 policiais - Foto: Fernando de Carvalho/Portal RCN67

Mato Grosso do Sul aparece como ponto de partida da integração bioceânica no novo mapa de rotas estratégicas do governo federal, mas a infraestrutura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ainda não acompanha o ritmo das obras e da expansão econômica esperada com o Corredor Bioceânico de Capricórnio.

A avaliação está no documento “Rotas de Integração: Desafios e Perspectivas para a PRF”, elaborado pela Diretoria de Inteligência da corporação e publicado em dezembro deste ano.

O chamado Corredor Bioceânico de Capricórnio é um dos cinco eixos do projeto Rotas de Integração Sul-Americanas, do Ministério do Planejamento e Orçamento. O corredor conecta o Porto de Santos (SP) aos portos do norte do Chile, passando por São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, e se estende até Paraguai, Argentina e Chile.

Ao todo, são cerca de 2,2 mil quilômetros que combinam rodovias, ferrovias, hidrovias e terminais portuários para escoar grãos, produtos industriais e minérios, além de estimular turismo e intercâmbio entre os países.

MS como origem do Corredor Bioceânico

No trecho brasileiro, a rota se apoia em eixos como BR-262, BR-267, BR-163, BR-101, BR-116, BR-153 e BR-282. No caso de Mato Grosso do Sul, o relatório destaca o papel de Porto Murtinho como “porta terrestre” rumo ao Pacífico, com a ponte internacional para Carmelo Peralta, no Paraguai, em construção.

A projeção é que o estado se transforme em hub logístico internacional, com aumento expressivo do fluxo de caminhões nas BR-267, BR-262, BR-163 e BR-060.

Esse novo cenário, porém, vem acompanhado de um pacote de gargalos. O documento aponta “descompasso” entre a expansão física do Corredor e a capacidade institucional da PRF para responder à intensificação do trânsito de cargas, passageiros e ilícitos transnacionais.

Em Mato Grosso do Sul, a extensão territorial de 357 mil km², longos trechos de rodovia em áreas remotas, falta de comunicação em partes da malha e déficit de instalações em pontos de fronteira são listados como obstáculos centrais.

A Superintendência da PRF no estado conta hoje com 9 Delegacias, 24 Unidades Operacionais, hangar, bases especializadas e pouco mais de 600 policiais. O relatório lembra que o aumento do fluxo tende a intensificar problemas já conhecidos na faixa de fronteira: tráfico de drogas e armas, contrabando, descaminho, crimes ambientais e circulação de veículos e cargas adulteradas.

Diferenças entre os estados do trajeto

Além da realidade local, o documento descreve desafios comuns ao trecho da Rota 4 que passa por São Paulo, Paraná e Santa Catarina. No interior paulista, onde boa parte do trajeto está sobre concessões estaduais, o papel da PRF é mais estratégico e voltado à inteligência, o que exige integração com polícias rodoviárias estaduais e órgãos de logística para enfrentar roubo de cargas e desvio de mercadorias em grandes corredores.

Já no Paraná e em Santa Catarina, a pressão operacional recai sobre rodovias que concentram tanto o trânsito interno quanto o acesso a portos marítimos e fronteiras terrestres, em áreas com histórico de apreensões recordes de drogas e contrabando.

Falta de governança integrada limita planejamento

O relatório também chama atenção para um “vácuo” de governança: embora seja tratada como braço do Estado nas rotas logísticas, a PRF ainda não tem assento deliberativo formal nos comitês executivos que coordenam as Rotas de Integração.

Segundo o texto, a participação ocorre, em geral, por convites pontuais, o que limita o planejamento conjunto de segurança, trânsito e controle de fronteira.

A proposta é criar um eixo permanente de segurança pública dentro da governança das rotas, coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, com participação integrada de PRF, Polícia Federal, órgãos estaduais e agências de controle.

Na prática, isso significaria que decisões sobre obras, concessões, portos secos e novos acessos passariam a considerar, desde o início, a estrutura de fiscalização e segurança.

Hoje, grande parte desse alinhamento depende de mecanismos informais, reuniões pontuais e trocas de informação em eventos binacionais e interministeriais, o que o relatório considera insuficiente frente à dimensão do corredor bioceânico.

Déficit de efetivo e dificuldade de fixação de policiais

Outro eixo tratado como crítico é a gestão de pessoas. O documento aponta escassez de efetivo, alta rotatividade e dificuldade de fixar policiais em regiões isoladas, tanto em Mato Grosso do Sul quanto em postos de fronteira no Paraná, Santa Catarina e São Paulo.

A indenização prevista na Lei nº 12.855/2013, voltada a áreas estratégicas, é considerada importante, mas insuficiente para garantir permanência em localidades de alta complexidade. Há ainda limitação legal no número de cargos de policial rodoviário federal, hoje fixado em pouco mais de 13 mil servidores em todo o país.

A proposta em discussão prevê criação de 4.902 novos cargos, mas o próprio relatório reconhece que se trata de uma medida em fase de tramitação, sem prazo definido para impacto real nas rotas.

A capacitação também aparece como ponto sensível. A atuação em corredores internacionais depende de domínio de idiomas, conhecimento de legislação e procedimentos de comércio exterior, inteligência de fronteira e uso de tecnologia aplicada a corredores logísticos.

O documento defende um plano nacional de treinamento específico para o Corredor Bioceânico, alinhando formações às demandas de cada região e prevendo orçamento contínuo para cursos e atualizações.

Na área de tecnologia, o diagnóstico é de maturidade desigual entre as superintendências. Em regiões fronteiriças do Mato Grosso do Sul, a conectividade é frágil, o que dificulta o uso em tempo real de sistemas de monitoramento e registro de ocorrências.

Nos estados do Sul e Sudeste, o problema maior é a falta de interoperabilidade: sistemas estaduais de segurança e fiscalização de transporte não se conversam plenamente com as plataformas da PRF, produzindo fluxos de informação truncados.

Entre as ações consideradas prioritárias estão a ampliação de câmeras com leitura automática de placas (inclusive estrangeiras), integração de bancos de dados com países vizinhos e criação de centros de monitoramento integrados do corredor, com uso de inteligência artificial e análise preditiva de risco.

Ações prioritárias para infraestrutura e fiscalização em MS

Para Mato Grosso do Sul, o plano de ação elenca obras e investimentos em bases de fronteira — como novas unidades em Porto Murtinho, Ivinhema e Nova Andradina, realocação de estruturas em Corumbá e Rio Brilhante, além de reforço em Dourados e na capital.

A lista inclui ainda implantação de energia fotovoltaica, reforma de unidades degradadas, aquisição de viaturas, drones, radares móveis, scanners portáteis e ampliação de conectividade por internet satelital em trechos sem cobertura.

Segundo o relatório, o avanço do Corredor Bioceânico de Capricórnio pode reposicionar o Brasil como centro logístico da América do Sul, mas esse movimento só se sustentará com uma presença policial planejada, estável e tecnicamente preparada ao longo das rodovias.