
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems) virou palco de um debate intenso, nesta terça-feira (9), sobre a instalação de câmeras em salas de aula. O seminário, proposto pela deputada e professora Gleice Jane, reuniu gestores, sindicatos, conselhos e pesquisadores, e escancarou um ambiente de medo, autocensura e conflitos que já atravessa a rotina escolar.

O encontro reuniu docentes, pesquisadores, sindicatos, representantes de conselhos e gestores escolares. A deputada Gleice Jane, proponente do seminário, inicialmente se manifestou contrária às câmeras, por entender que as câmaras servem como um processo de vigilância, muito mais de vigilância e não contribuem no processo pedagógico.
Entretanto, sua opinião mudou após a posição dos educadores, levantada em um seminário na Casa de Leis que ouviu mais de mil profissionais em mais de 100 escolas, refletir um contexto de assédio e insegurança no ambiente escolar.
Violência e insegurança nas escolas

A pesquisa apresentada pelo professor Fernando Pena, coordenador do Observatório Nacional da Violência contra Educadores (ONVE), reforça esse ambiente de tensão: 61% dos docentes da educação básica afirmam ter sido vítimas diretas de violência, majoritariamente por questões políticas (73%), de gênero e sexualidade (53%) e religião (48%). O impacto disso já é sentido: 59% dos educadores afirmam sentirem-se “constantemente inseguros e vigiados”. O professor Pena questionou: “Imagine se nessa sala de aula tivesse uma câmera com áudio e vídeo. Percebe a gravidade do que a gente está discutindo aqui?”
Pesquisadores e entidades alertaram que a instalação de câmeras, especialmente com áudio, pode intensificar o controle sobre docentes e ampliar práticas de censura, além de violar o direito das crianças e adolescentes e gerar riscos ligados à proteção de dados. O Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente classificou a medida como exposição indevida e questionou quem controlará o acesso às gravações e como evitar que imagens de menores circulem fora da escola.
Gestores, por outro lado, afirmaram ver nas câmeras uma ferramenta para resolver rapidamente conflitos cotidianos, evitar falsas acusações e proteger a equipe escolar. Relataram que muitas unidades já utilizam o recurso há anos, após acordo com a comunidade, e que a medida ajudou a esclarecer casos de indisciplina ou garantir a defesa de docentes acusados injustamente.
Posicionamento dos sindicatos
Representantes da categoria, como a ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública)e a FETEMS (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), destacaram que o apoio às câmeras cresce porque os professores se sentem desamparados pelo Estado e pressionados por famílias, gestores e grupos políticos.
Para os sindicatos, a popularização das câmeras é sintoma da precarização e não solução para a violência escolar, que exige valorização docente, políticas de permanência estudantil, psicólogos e assistentes sociais nas escolas — direitos já previstos em lei, mas não cumpridos.
O seminário terminou sem consenso, mas com a percepção de que a discussão precisa continuar. Enquanto o projeto das câmeras avança, educadores insistem que o debate não pode se limitar ao equipamento. Para eles, o desafio central é garantir a liberdade de ensinar, enfrentar a violência que se espalhou pelas escolas e recuperar a escola como espaço de confiança, diálogo e formação democrática.