
Em meio a rotinas aceleradas, conexões digitais e relações cada vez mais seletivas, o velho gesto de entregar um presente volta ao centro da vida afetiva dos brasileiros. Uma pesquisa inédita encomendada pela Natura ao Grupo Consumoteca, coordenado pelo antropólogo Michel Alcoforado, mostra que o presente físico escolhido a dedo passou a funcionar como um atalho para validar vínculos. Enquanto isso, o Pix aparece, muitas vezes, como símbolo de distanciamento emocional.
O estudo foi realizado com 1.296 entrevistados em todas as cinco regiões do Brasil, o que permite um retrato amplo dos hábitos de convivência. Os números revelam um cenário fragmentado: 40% dizem sentir-se mais distantes das pessoas e 34% se veem cercados por relações superficiais. Ao mesmo tempo, a sociabilidade está dividida. Enquanto 37% diminuíram a frequência de encontros no último ano, 36% aumentaram. Para Alcoforado, não se trata de esfriamento generalizado. É um filtro mais rigoroso. Os vínculos passaram a ser escolha consciente, que exige dedicação, atenção e esforço contínuo.
Nesse contexto, o presente ganha outro peso. Segundo o antropólogo, ele funciona como prova concreta de que alguém parou, pensou e investiu tempo no outro. O esforço, inclusive financeiro, fica concentrado no núcleo íntimo das relações: parceiros, filhos e pais. Os dados reforçam essa ideia ao indicar que filhos recebem, em média, 7,6 presentes por ano, enquanto parceiros ficam com 6,4. Assim, as pessoas mais próximas são justamente as que mais cobram personalização, profundidade e constância nas demonstrações de cuidado.
A pesquisa ainda aponta um movimento de reaproximação importante entre amigos. Depois de um período em que essa rede parecia enfraquecida, 38% dos entrevistados relataram que a amizade ficou mais próxima em 2025. Esse retorno dos amigos ao círculo da intimidade revela que o laço afetivo não se restringe à família. Presente ajuda a reativar relações que estavam em segundo plano, mas seguem significativas.
O Pix como Presente vs. Presente com Intenção
Se o presente físico sobe de patamar, o Pix como presente expõe uma tensão cada vez mais nítida entre praticidade e afeto. As transferências bancárias já são usadas por 27% para presentear pais e mães e por 28% quando se trata de filhos, dentro do núcleo mais próximo. No entanto, esse gesto é frequentemente associado a “problema na dedicação”. Para 28% dos brasileiros, o Pix “não transmite carinho ou intenção”. Em relações menos íntimas, pode ser percebido como um gesto frio, quase equivalente à ausência do presente.
É exatamente nessa disputa simbólica que se encaixa a nova campanha de Natal da Natura. A marca resgata o mote “O Melhor Presente é Ser Presente. Depois, é Natura”. A campanha lança o conceito “P.I.X Natura – Presente com Intenção de Xodó”, numa espécie de contraponto ao Pix bancário. A sigla, neste caso, não remete à transferência instantânea. Refere-se a um presente intencional, pensado com cuidado. A interpretação da CMO Tatiana Ponce reforça essa leitura. Para ela, a velocidade da vida contemporânea tem fragilizado laços. Todavia, o Natal pode funcionar como momento de virada, em que a escolha do presente se torna investimento direto no vínculo.
A Preferência por Perfumaria e Outras Categorias de Beleza
Dentro do universo de beleza e cuidados pessoais, a pesquisa conclui que a categoria de perfumaria ocupa o topo das preferências na hora de presentear. A perfumaria é vista como um presente quase universal, capaz de equilibrar atenção e reciprocidade. Além disso, agrada tanto parceiros e cônjuges quanto filhos, amigos, colegas e até vizinhos. Fragrâncias carregam memória olfativa, associando o gesto de presentear a lembranças prolongadas. Isso amplia o impacto simbólico do afeto.
Embora perfumes liderem essa hierarquia, outras categorias de beleza também aparecem com força. Hidratantes corporais, maquiagens e sabonetes são lembrados como opções para construir rituais de cuidado. Esses vão do autocuidado diário à composição de kits mais elaborados. Dessa maneira, o presente deixa de ser apenas um item isolado e passa a representar uma experiência de atenção. Isso se aplica em laços muito íntimos, bem como em círculos um pouco mais distantes.
A Adequação do Presente à Intimidade da Relação
A executiva da Natura enfatiza que o “xodó” está menos no valor monetário e mais na adequação do presente à intimidade da relação. Fragrâncias premium podem fazer sentido para vínculos mais profundos. Body splashes se encaixam melhor na rede próxima. Já cremes corporais perfumados, maquiagens e sabonetes montam cestas que comunicam cuidado para quem quer ser lembrado pela delicadeza na escolha. Nesse desenho, o portfólio da marca é apresentado como ferramenta. Ele ajuda o consumidor a transformar produtos de beleza em gestos de atenção plena.
Por fim, a pesquisa e a campanha convergem na mesma mensagem: em um cenário de vínculos seletivos, o presente físico, pensado com intenção, continua sendo um dos meios mais eficientes de resgatar relações e criar memórias. O Pix pode continuar útil para contas e urgências. Porém, quando o objetivo é demonstrar afeto, o estudo indica que a maioria dos brasileiros ainda prefere algo que se encaixe nas mãos, no cheiro e na rotina de quem recebe.