Na noite de sábado (31) o Auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo, será tomado pela música erudita. É quando sobe ao palco a Camerata Madeiras Dedilhadas da UFMS, um dos principais conjuntos instrumentais em atividade em Mato Grosso do Sul, que há mais de uma década reafirma sua proposta: reinventar o erudito a partir da matéria-prima tradicional brasileira — o violão e os sopros de banda. A entrada do show é gratuita, mas os ingressos devem ser adquiridos pelo sympla. A apresentação do concerto Pérolas do Pantanal será às 20h30.
Fundada em 2013 como fruto da pesquisa e extensão da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a Camerata tem em sua essência a inquietação criativa do regente e violinista Marcelo Fernandes, que conduz o grupo com a mesma precisão com que esculpe melodias. Ele conta que o impacto do conjunto no público nasce, em grande parte, da presença do violão: “você tem violão no sertanejo, no rock’n’roll, no pop, no MPB, no choro, no samba… Quando trazemos o violão para o universo da música clássica, é como se abríssemos uma janela para esse repertório, trazendo junto o engajamento popular. É um instrumento que circula entre todos esses mundos”.
Mas a Camerata não se limita ao popular nem ao tradicional. Seu diferencial está na união de violões com diferentes afinações — em quarta, quinta acima, uma oitava abaixo — e instrumentos de sopro como flauta e clarinete, formando uma textura sonora inédita no cenário da música de câmara. “A gente tem que pensar que flauta e clarinete são instrumentos tradicionais do Brasil também. Então o conjunto é muito ‘brazuca’, no sentido de ter o DNA da música brasileira mesmo tocando música clássica”, pontua Marcelo.
Orquestra indígena
Neste concerto especial, a Camerata recebe ainda um reforço simbólico e sonoro que amplifica sua proposta de brasilidade: a Orquestra Indígena. A participação do grupo indígena reforça o diálogo entre mundos que o projeto já propõe — não só entre o erudito e o popular, mas entre a tradição oral dos povos originários e as partituras acadêmicas.
O repertório apresentado em São Paulo vai transitar de Villa-Lobos, José Maurício Nunes Garcia, Concerto em Sol Maior para flauta de Pergolesi e incluirá a declamação da poesia “Desencanto” de Manuel Bandeira por Geraldo Vicente Martins. É uma espécie de síntese do que é a Camerata: uma busca por novas camadas de significado para o erudito, sem perder a essência sul-mato-grossense.
A expectativa para esse concerto é especial. “O palco do Simón Bolívar é emblemático. Já recebeu Chico Buarque, Paco de Lucía e Mercedes Sosa. Estar lá, saindo de Campo Grande, com um projeto inusitado como o nosso, é um feito. A gente espera que o público, acostumado com grandes concertos, tenha uma experiência nova, única, ao ouvir a gente”, compartilha Marcelo.
Ao longo de sua trajetória, o grupo não apenas interpretou, mas também inspirou a criação de obras originais. Compositores como Rodrigo Faleiros, Marcos Pablo Dalmácio e o próprio Fernandes compuseram especialmente para a formação. “É um conjunto que tem trajetória e repertório, e que tem feito história aqui no Estado. Estamos criando música erudita aqui em Mato Grosso do Sul”, reforça o regente.
No concerto “Pérolas do Pantanal”, a Camerata Madeiras Dedilhadas mostra que inovação não é sinônimo de ruptura — mas de reencontro. Com um Brasil inteiro nas cordas e nos sopros, o conjunto transforma a tradição em presente e projeta Mato Grosso do Sul em direção a plateias que, mais do que escutar, serão convidadas a sentir.