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FUTURO DAS ÁGUAS!

Do concreto que repele à cidade que absorve: Campo Grande rumo à Cidade-Esponja

Vista aérea de bairro com jardins de chuva, telhados verdes e bacias de retenção em Campo Grande
Infraestrutura verde priorizada pela lei da Cidade-Esponja em Campo Grande melhora drenagem e microclima. Foto: Rodrigo Moreira / RCN67

Campo Grande, coração do Cerrado, enfrenta chuvas mais intensas e estiagens prolongadas. Por isso, e de modo estratégico, a capital oficializou, por lei municipal publicada em 30/10/2025, o conceito de Cidade-Esponja. Na prática, o município prioriza infiltração, retenção e reaproveitamento da água de chuva no tecido urbano. Além disso, articula infraestrutura verde, operação inteligente do sistema de água e educação ambiental para reduzir riscos, proteger bairros e dar previsibilidade ao cotidiano.

A cidade convive com 11 microbacias, 33 córregos e mais de 40 nascentes em área urbana. Diante desse quadro, a nova diretriz institui soluções baseadas na natureza como padrão. Assim, jardins de chuva, telhados verdes, pavimentos drenantes, áreas de retenção e corredores ecológicos sobem de “experiência” a “obrigação de projeto”. Em paralelo, a política estimula parcerias entre poder público, iniciativa privada, universidades e organizações da sociedade civil, sempre alinhadas ao Plano Diretor, às normas técnicas e ao Plano de Drenagem Urbana (Decreto nº 12.680/2015).
Além disso, tais medidas fazem parte da implementação da cidade-esponja, já que empreendimentos com mais de 500 m² impermeabilizados devem implantar sistemas próprios de drenagem, o que evita sobrecarga da rede pública e deslocamento do problema para jusantes.

Bacia de contenção localizada na Avenida Mato Grosso, que recebo o escoamento e águas pluviais de bairros altos de Campo Grande. Foto: Rodrigo Moreira / RCN67

Vida real nas microbacias: quando a chuva dita a rotina

A vocação hídrica é um patrimônio; contudo, sem manutenção constante, os transtornos se acumulam. No Taquarussu, Emerson Leandro descreve o cotidiano após temporais:

“Toda vez que chove, a água demora a escoar. Isso tampa os buracos, e para quem precisa trabalhar nas ruas é perigoso. Sempre estoura um pneu. É um caos. Nosso bairro está esquecido: muitos buracos, asfaltos precários. Isso atrapalha demais.”

Por sua vez, na Chácara dos Poderes, Sérgio Vittoretti relata agravamento recente:

“Moro na rua EW5 e aqui o escoamento simplesmente não existe. A prefeitura nos abandonou. Em época de chuva, ficamos ilhados. A água empoça, e até na seca o buraco continua cheio. Hoje tem mais de um metro de profundidade.”

Por outro lado, há bairros que já sentem avanços com a cidade-esponja implementada. Cícero dos Reis Silva Júnior, 40 anos, do Portal Caiobá 2, lembra o antes e o depois:

“Antes, quando chovia, eu não sabia se conseguiria sair de casa. Era alegria pela chuva e tristeza pelo alagamento. Hoje, no Portal Caiobá 2, a drenagem funciona bem. Ainda há ruas de terra, mas o escoamento melhorou muito. O problema agora é nos bairros mais centrais, que sofrem mais. Aqui, graças a Deus, a situação está bem melhor.”

Operação do sistema: automação, perdas e segurança hídrica

Responsável pelo abastecimento e cuidado com os recursos hídricos, a Águas Guariroba amplia automação e manutenção preventiva para reduzir perdas e dar previsibilidade. Segundo Fernando Garayo, gerente de Meio Ambiente e Qualidade, o monitoramento ocorre em tempo real, com sensores e válvulas inteligentes, setorização das redes para controle de pressão, busca ativa de vazamentos não aparentes e substituição de tubulações antigas.

“Investimos em monitoramento contínuo, setorização e troca de redes. As inspeções são constantes e a busca ativa por vazamentos não aparentes virou rotina”, diz. “Isso nos permite manter índices de perda entre os menores do país, dentro dos parâmetros do setor.”

Ainda conforme Garayo, a estratégia integra diversificação de captações, automação e conservação das bacias que abastecem a cidade:

“A resiliência hídrica é um pilar da concessionária. Trabalhamos com gestão integrada: segurança do abastecimento, preservação de mananciais e infraestrutura. Inclui captações superficiais, perfuração de poços subterrâneos e automação de sistemas.”

Ele reforça a mensagem ao consumidor:

“Com os investimentos e ações de conservação, Campo Grande não tem hoje motivos para se preocupar com escassez hídrica. Em paralelo, mantemos orientações de uso consciente para evitar desperdícios.”

Educação ambiental que muda comportamento: Sanear e Fonte do Saber

Obras contam, entretanto não bastam sem cultura de cuidado. Nesse sentido, o Programa Sanear já mobilizou mais de 1.200 professores em ações de conscientização, multiplicando conhecimento nas escolas e fortalecendo a cidadania hídrica. Jhonatan Passos, gestor de Responsabilidade Social, resume a frente pedagógica:

“Recebemos alunos da rede municipal e estadual, faculdades e empresas para ver, in loco, como funcionam o tratamento de água e de esgoto. Eles também podem visitar a estação Fonte do Saber, onde o ensino é lúdico, com equipamentos e materiais didáticos.”

Nas escolas, o Sanear promove palestras, gibis educativos e concursos — de redação, tirinhas e planos de aula. Assim, o tema circula entre sala de aula e famílias. Ao todo, mais de 200 mil alunos participaram em quase 20 anos de projeto, formando hoje quem vai cuidar da água amanhã.

Gestão e fiscalização: avanços concretos e lacunas evidentes

Para o engenheiro sanitarista e ambiental Antônio Carlos Silva Sampaio, resultado depende de gestão ativa e acompanhamento técnico:

“Para que as obras funcionem, é preciso planejamento e fiscalização. Muitas vezes, faltam recursos e acompanhamento. A prefeitura investe em pavimentação e drenagem, mas sem garantir que a água chegue de forma controlada à macrodrenagem. Ficam apenas os paliativos.”

Ainda assim, ele reconhece bacias de contenção, aumento da permeabilidade e parques lineares como avanços. Contudo, o alerta persiste:

“Campo Grande ainda não está preparada para as mudanças climáticas. É preciso mais estrutura e equipe exclusiva para cuidar da drenagem urbana.”

Segundo a Sisep, desde 2023 há um plano permanente de limpeza e desassoreamento de córregos, com foco em prevenção de enchentes. Pontos críticos no Zé Pereira e na região do Shopping Campo Grande foram solucionados. Foram limpos os córregos Imbirussu e Prosa, além da manutenção do canal do Reveilleau. A bacia de amortecimento do Jardim Noroeste está em construção. Além disso, este projeto faz parte da cidade-esponja, já que outras bacias estão em execução nos bairros North Park, Nova Campo Grande e Jardim Noroeste.

O que muda na prática: prioridades de projeto e operação

Com a lei em vigor, soluções de infraestrutura verde deixam de ser exceção para se tornarem diretriz de política urbana. Portanto, jardins de chuva e áreas permeáveis serão priorizados em espaços públicos e privados, fomentando infiltração e armazenamento temporário da água. Telhados verdes e pavimentos drenantes passam a integrar o repertório obrigatório, o que, além de aliviar a macrodrenagem, melhora o microclima e reduz ilhas de calor.

Assim, a água retida e filtrada naturalmente pode ser reaproveitada localmente, alinhando economia, segurança de abastecimento e conforto térmico. Em paralelo, a integração entre medidas cinzas (obras convencionais) e medidas verdes (soluções baseadas na natureza) torna-se eixo do desenho urbano: primeiro, infiltrar; depois, reter; por fim, reusar.

Por que isso importa: risco, rotina e previsibilidade

Eventos hidrológicos e meteorológicos predominaram na última década e integram o cotidiano campo-grandense. Portanto, a combinação entre manutenção permanente, obras de amortecimento, infraestrutura verde e educação ambiental traduz o espírito da Cidade-Esponja. Desse modo, a cidade reduz picos de vazão, diminui alagamentos, protege bairros e dá previsibilidade à vida urbana — da casa à escola, do comércio à via.