Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de número 013/2009, já entregue ao Ministro da Educação, Fernando Haddad, poderá acabar, ou ocasionar sérios problemas de ordem financeira às escolas de educação especial, mantidas pela Associação dos Pais e Amigos do Excepcional (Apae), incluindo a de Três Lagoas.
Com esse parecer, todas as escolas de educação especial deixariam de receber os repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). É através desses recursos que a escola da Apae paga os salários dos professores e professoras de educação especial de seus alunos. Sem esses recursos, torna-se praticamente inviável conseguir manter em funcionamento a escola da Apae.
De acordo com a nova norma do CNE, que ainda aguarda homologação do Ministro Fernando Haddad, as entidades especializadas, não somente as escolas da Apae, mas todas as que lidam com portadores de necessidades especiais, perdem o status de escolas especiais e passarão a receber apenas pelos alunos que, no contra-turno, estiverem matriculados na rede regular de ensino, independente do grau de deficiência. Hoje, os recursos do Fundeb representam de 30% a 40% do total que a maioria das entidades dispõe para manter as escolas de educação especial.
O Parecer do CNE prevê as alterações já para o próximo ano, dependendo apenas da homologação do Ministério da Educação, alegando a necessidade de inclusão social dos portadores de necessidades especiais.
No entanto, segundo bem explicou a diretora pedagógica da escola da Apae de Três Lagoas, Giselda Aparecida da Silva Alves, todas as escolas de educação especial do estado de Mato Grosso do Sul temem que as classes comuns do ensino regular não terão suporte para receber todos os estudantes com deficiência. “Nossas escolas regulares, tanto da rede municipal como estadual, assim como as particulares, atravessam uma fase difícil. Como poderão suportar ainda mais este importante encargo de receber alunos de educação especial?” questionou.
“A Apae de Três Lagoas é a favor da total inclusão social, mas que se leve em consideração todas as necessidades dos nossos alunos especiais. Não podemos generalizar o atendimento, principalmente, quando tratamos do processo do aprendizado”, observou Giselda.
Segundo ela, é importante que o Ministério da Educação, antes de homologar o parecer do CNE leve em consideração que a experiência de várias décadas tem comprovado que as escolas da Apae e de outras instituições que lidam com alunos especiais “estão seriamente comprometidas em criar instrumentos e condições pedagógicas de acessibilidade ao deficiente intelectual”, comentou.
A pretexto de se criar condições de inclusão social, na escola regular, os alunos especiais serão inevitavelmente discriminados, porque, certamente, não conseguirão acompanhar o ritmo de aprendizado das outras crianças, alertam as mães. Várias experiências, infelizmente negativas, comprovaram que a grande maioria das escolas de ensino regular não oferece condições de inclusão social do aluno portador de necessidades especiais.
“A mais difícil acessibilidade de se criar e de se manter é a do deficiente intelectual”, comentou Giselda. “Se é um deficiente físico, temos a cadeira de rodas, rampas de acesso e outras exigências, facilmente adaptáveis; se é deficiente auditivo, temos aparelhos e a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) ; se é um deficiente visual temos também métodos de escrita e leitura especial; mas quando temos alguém com deficiências intelectuais, o problema é mais complexo, precisa tempo de espera, na maioria das vezes demorado, que exige paciência, mas necessário para ele dar uma resposta, para nós aparentemente pequena, mas para ele, de extrema importância”, comentou. “É, principalmente, nesse necessário tempo de espera, que o aluno especial terá a maior dificuldade na escola de ensino regular”, alertou Giselda.
No estado de Mato Grosso do Sul, segundo estudo da Secretaria Estadual de Educação, existem 11,2 mil alunos com necessidades especiais. Desse total, apenas 3 mil estão matriculados em escolas municipais e 2,5 mil nas escolas estaduais. Os demais estão matriculados nas escolas de educação especial das mais diversas entidades, incluindo a Apae.
AUDIÊNCIA PÚBLICA
O parecer nº. 013/2009 do CNE provocou uma Audiência Pública, promovida pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, a pedido do deputado estadual Pedro Kemp (PT). O tema de discussões, “Escola Especial: Um Direito de Escolha”, levou mais de 800 pessoas ao Plenário Júlio Maia da Assembléia Legislativa, na tarde de sexta-feira passada (7), incluindo uma caravana de 13 mães e 32 funcionários da escola da Apae de Três Lagoas.
Participaram da Audiência Pública representantes das 62 APAEs e das oito Pestalozzi do Estado e de outras instituições de educação especial de Mato Grosso do Sul.
Para a presidente da Federação Nacional das Associações Pestalozzi do Brasil, Gysélle Saddi Tannus, também presente na Audiência Pública, caso o documento seja homologado pelo Ministério da Educação, o funcionamento das entidades de educação especial ficará comprometido, já que os recursos do Fundeb representam hoje de 30% a 40% do montante existente para a manutenção dessas instituições. “Com certeza, a homologação desse documento acarretará na sua extinção. Nossos alunos e suas famílias não terão suporte para enfrentar dois turnos em instituições educacionais, sendo uma delas na classe comum do ensino regular”, observou.
“Nós defendemos a inclusão das crianças com deficiência, no entanto, esse processo não pode ser feito de cima pra baixo. A inclusão deve ser um processo gradativo e responsável. Não podemos aceitar a extinção das escolas especiais, sem que o ensino comum esteja preparado”, alertou o deputado Pedro Kemp.
Estiveram também presentes: a representante da Federação Nacional das Apaes do Brasil, Fabiana das Graças; a Conselheira Titular do Conselho Estadual de Educação Profissional e Educação Superior do Conselho, professora Elisa Emilia Cesco; e a coordenadora de Educação Especial da Secretaria Estadual de Educação, Vera Lúcia Carlori.
Os participantes da Audiência Pública aprovaram um documento pedindo abertura de diálogo sobre possíveis alterações na política da educação especial e a não homologação do Parecer 013/2009, do Conselho Estadual de Educação. Na prática, o Parecer do CNE transforma as entidades de educação especial em apenas centros de apoio, já que obriga a matrícula na rede regular de ensino de todas as crianças e adolescentes com deficiência.
O documento será enviado ao Ministério da Educação, CNE e às Comissões de Educação da Câmara e do Senado. Outra medida, aprovada na Audiência Pública foi a elaboração de uma Moção de Repúdio ao Parecer 13/2009. O protesto, a ser assinado pelo deputado Pedro Kemp, deverá ainda ser apreciado em Plenário pelos deputados estaduais e encaminhado aos órgãos e entidades competentes.