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OEA começa a julgar Brasil por crimes da ditadura

Ação se refere a crimes cometidos pelo Exército no combate à Guerrilha do Araguaia

A partir desta quinta-feira (20), o Brasil sentará pela primeira vez no banco dos réus na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). A questão foi levada ao tribunal pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e diz respeito a ações realizadas pelo Exército entre 1972 e 1975, quando combatia a Guerrilha do Araguaia no sul do Pará. A alegação é de que ao menos 70 pessoas, entre militantes do Partido Comunista e camponeses, foram vítimas de detenção arbitrária, tortura, execução e desaparecimento, e que o Estado brasileiro não apurou os crimes.

A audiência ocorre semanas após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter rejeitado uma ação impetrada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que pedia a revisão da Lei de Anistia para permitir o julgamento de agentes do Estado acusados de tortura.

Até sexta-feira (21), testemunhas e representantes das vítimas e do Estado apresentarão suas considerações. A audiência será em San José, na Costa Rica, mas a sentença sairá apenas nos próximos meses. Se a Corte repetir o entendimento de decisões anteriores, como ocorreu em casos envolvendo o Peru e o Chile, o Brasil tem chances de ser condenado, o que obrigaria o país a rever sua Lei de Anistia, promulgada em 1979, para permitir as investigações.

Na última segunda-feira (17), o próprio ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, admitiu que “teme pelo pior”.

– Como analogia, que é pegar decisões anteriores, há chances de uma decisão negativa para o Brasil.

A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Cecília Coimbra, se diz otimista, mas critica a demora e a “falta de vontade política” das autoridades brasileiras para tratar do assunto.

– Sabemos que apenas quando há pressão internacional é que as coisas avançam. Esperamos que a Corte reconheça que o Estado tem responsabilidade e que não há nenhum esforço por parte do governo para resolver essa questão.

O Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), que processou o Estado brasileiro no sistema interamericano ao lado do Tortura Nunca Mais e da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, diz que o Estado brasileiro se apoiou na Lei de Anistia para “negar-se a atuar”.

Por este motivo, a Corte analisará o emprego da medida, que segundo familiares das vítimas é um “obstáculo à investigação”. A expectativa do Cejil é que o tribunal aponte a incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com a jurisprudência internacional, além de ordenar ao Estado que adote ações para garantir às vítimas e a seus familiares os "direitos à verdade, justiça, memória e reparação".

Autoanistia

Para Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, em suas decisões anteriores, a Corte entendeu que os Estados não podem dispor de leis para promover a “autoanistia”, situação em que o Brasil se encaixaria.

– A jurisprudência vai no sentido de que não existe autoanistia. Não há dúvida nenhuma de que o Brasil vai receber uma reprimenda. Você não pode colocar no mesmo plano os torturadores e suas vítimas.

Como signatário da Corte, o Brasil seria obrigado a cumprir uma eventual condenação. Do contrário, segundo Bicudo, o caso poderia ser levado à Assembleia Geral da OEA, que tem poder para impor sanções ao país mas não deve fazê-lo devido à "representatividade do Brasil".

– [A OEA] é um órgão político, não acredito em sanções.

O advogado recorda, porém, que a imagem do Brasil diante da comunidade internacional em temas de direitos humanos, que já não é das melhores, sairia ainda mais arranhada.