A lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
O instituto da recuperação judicial é destinado aos empresários, ou seja, pessoa jurídica que exerce profissionalmente, com habitualidade e fim lucrativo, atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.
Em virtude desses requisitos. sendo o produtor rural a peça fundamental do crescimento do agronegócio brasileiro, a partir do ano de 2015 iniciou uma discussão acerca da possibilidade de uma pessoa física – produtor rural – obter o deferimento de recuperação judicial com amparo na lei da recuperação judicial (Lei 11.101/2005).
Ante à importância do tema, no ano de 2020 a Lei 11.101/2005 foi alterada pela Lei 14.112/2020 para o fim de possibilitar que o produtor rural na qualidade de empresário individual, ingresse com pedido de recuperação judicial, ainda que não tenha a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis há mais de dois anos, podendo ele comprovar o tempo de atividade exigida em lei, com a apresentação de documentação contábil-financeira evidenciando que, independentemente do devido registro como empresário individual, já exercia a atividade rural como pessoa física.
O tema também foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em maio de 2022, no âmbito dos recursos repetitivos através do Tema 1.145, estabelecendo o STJ que, ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos, é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido, independentemente do tempo de registro. [1]
Na ocasião, o STJ ainda levou em consideração a Lei 14.112/2020, que introduziu na Lei de Recuperação e Falência o artigo 70-A, segundo o qual é permitido ao produtor rural apresentar plano especial de reestruturação.
Registre-se que além de legitimar o produtor rural a pleitear sua recuperação judicial, a Lei 14.112/2020 ainda disciplinou quais os créditos ficam sujeitos ou não à recuperação judicial, definindo que não estarão sujeitos ao procedimento, os créditos que não decorram da atividade rural.[2]
Ainda de acordo com a lei, as operações de crédito rural, contraídas no âmbito do Manual de Crédito Rural (“MCR”) renegociadas antes do pedido de recuperação judicial, bem como aquelas contraídas nos últimos 3 (três) anos para aquisição do imóvel rural, não estarão sujeitas à recuperação judicial do produtor rural, podendo os fornecedores de tais créditos cobrar normalmente os valores devidos.[3]
Outrossim, ficam fora da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculadas à CPR – Cédula de Produto Rural com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente tenha impedido o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.[4]
Desta forma, nem todas as dívidas contraídas pelo produtor rural estão sujeitas à recuperação judicial, sendo importante uma análise acurada da origem, finalidade e garantia de cada débito para definir quais dívidas poderão ser abrangidas pelas atuais da Lei 11.101/2005.
Em que pese o avanço legislativo que possibilitou ao produtor rural a utilização do instituto da recuperação judicial, nem sempre ela será o melhor mecanismo a ser utilizado, pois aplicando-se as regras vigentes, pode ser que a maior parte das dívidas contraídas não se submetam ao procedimento recuperacional.
Para evitar gastos desnecessários e mais desgastes com os credores, recomenda-se que o produtor rural sempre consulte um advogado especialista em recuperação judicial, o qual analisando o conjunto de dívidas contraídas definirá de forma assertiva se o produtor rural será ou não beneficiado com a utilização do instituto.
[2] Lei 11.101/2005, Art. 49, § 6º
[3] Lei 11.101/2005, Art. 49, §§ 7º, 8º e 9º
[4] Lei 8.929/1994, Art. 11