Em entrevista ao programa Microfone Aberto, da Massa FM Campo Grande, o professor Raphael Chaia, especialista em direito digital, explicou os impactos e limitações da Lei nº 15.123/2025, que incluiu um parágrafo no artigo 147-B do Código Penal, criando uma causa especial de aumento de pena para crimes de violência psicológica contra a mulher praticados com o uso de inteligência artificial ou recursos tecnológicos que alterem som ou imagem da vítima — como nos casos de deepfakes e deepnudes.
Segundo o especialista, a nova regra representa um avanço ao penalizar mais severamente as situações em que há divulgação de conteúdos manipulados com a intenção de ferir emocionalmente a mulher.
Antes da mudança, a conduta era tratada pelo artigo 216-B, que tipifica como crime a simples produção de montagens de nudez ou sexo, mesmo que não houvesse divulgação.
“Agora, quando há compartilhamento e isso causa dano psicológico, o enquadramento é no 147-B, com pena maior, sobretudo se envolver IA”, explicou Chaia.
A pena prevista no artigo 216-B, segundo o professor, é de seis meses a um ano. Já no artigo 147-B, a nova causa de aumento prevê penas mais altas, pois presume a intenção de causar sofrimento emocional.
No entanto, Chaia esclarece que o agressor não responderá por ambos os artigos: “Pelo princípio da consumação, quando a montagem é divulgada e causa dano, só o 147-B será aplicado.”
Apesar do endurecimento da legislação, Chaia destacou que criminalizar condutas não é suficiente para prevenir crimes digitais. “A maioria dos casos de fraudes e crimes digitais ocorre por falta de letramento digital. As pessoas não sabem como agir na internet para evitar se tornarem vítimas. A lei ajuda, mas precisamos ensinar segurança digital desde cedo”, defendeu.
Sobre a aplicação prática da lei, o jurista afirmou que ainda não há jurisprudência consolidada, mas que o Judiciário tem se esforçado para se atualizar diante das novas tecnologias.
Ele chama a atenção, porém, para um desafio crescente: o risco de manipulações tão bem-feitas que se tornam quase indetectáveis. “Hoje, ver não é mais crer. Precisamos garantir a cadeia de custódia das provas digitais, validando metadados e a autenticidade dos arquivos usados em processos”, alertou.
A nova lei é de aplicação restrita a vítimas do sexo feminino, o que também gerou debate durante a entrevista. “É um crime próprio, previsto para proteger mulheres. Se a vítima for homem, o enquadramento será por difamação, com base no artigo 139”, disse o professor.
Para ele, o tratamento diferenciado é justificado pela frequência e intensidade da violência de gênero no Brasil, conforme já reconhecido pela Lei Maria da Penha.
Apesar das limitações, Chaia acredita que a nova redação do Código Penal é um passo importante no enfrentamento às violências praticadas por meio da tecnologia. Mas reforça: “Sem educação digital, continuaremos enxugando gelo”.
Confira a entrevista na íntegra: