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ENTREVISTA

Nova lei endurece punição para uso de deepfakes contra mulheres, mas especialista vê lacunas

Professor Raphael Chaia explica que nova regra exige divulgação da montagem para pena ser agravada.

Raphael Chaia nos estúdios da Massa FM Campo Grande - Foto: Fernando de Carvalho/Portal RCN67
Raphael Chaia nos estúdios da Massa FM Campo Grande - Foto: Fernando de Carvalho/Portal RCN67

Em entrevista ao programa Microfone Aberto, da Massa FM Campo Grande, o professor Raphael Chaia, especialista em direito digital, explicou os impactos e limitações da Lei nº 15.123/2025, que incluiu um parágrafo no artigo 147-B do Código Penal, criando uma causa especial de aumento de pena para crimes de violência psicológica contra a mulher praticados com o uso de inteligência artificial ou recursos tecnológicos que alterem som ou imagem da vítima — como nos casos de deepfakes e deepnudes.

Segundo o especialista, a nova regra representa um avanço ao penalizar mais severamente as situações em que há divulgação de conteúdos manipulados com a intenção de ferir emocionalmente a mulher.

Antes da mudança, a conduta era tratada pelo artigo 216-B, que tipifica como crime a simples produção de montagens de nudez ou sexo, mesmo que não houvesse divulgação.

“Agora, quando há compartilhamento e isso causa dano psicológico, o enquadramento é no 147-B, com pena maior, sobretudo se envolver IA”, explicou Chaia.

A pena prevista no artigo 216-B, segundo o professor, é de seis meses a um ano. Já no artigo 147-B, a nova causa de aumento prevê penas mais altas, pois presume a intenção de causar sofrimento emocional.

No entanto, Chaia esclarece que o agressor não responderá por ambos os artigos: “Pelo princípio da consumação, quando a montagem é divulgada e causa dano, só o 147-B será aplicado.”

Apesar do endurecimento da legislação, Chaia destacou que criminalizar condutas não é suficiente para prevenir crimes digitais. “A maioria dos casos de fraudes e crimes digitais ocorre por falta de letramento digital. As pessoas não sabem como agir na internet para evitar se tornarem vítimas. A lei ajuda, mas precisamos ensinar segurança digital desde cedo”, defendeu.

Sobre a aplicação prática da lei, o jurista afirmou que ainda não há jurisprudência consolidada, mas que o Judiciário tem se esforçado para se atualizar diante das novas tecnologias.

Ele chama a atenção, porém, para um desafio crescente: o risco de manipulações tão bem-feitas que se tornam quase indetectáveis. “Hoje, ver não é mais crer. Precisamos garantir a cadeia de custódia das provas digitais, validando metadados e a autenticidade dos arquivos usados em processos”, alertou.

A nova lei é de aplicação restrita a vítimas do sexo feminino, o que também gerou debate durante a entrevista. “É um crime próprio, previsto para proteger mulheres. Se a vítima for homem, o enquadramento será por difamação, com base no artigo 139”, disse o professor.

Para ele, o tratamento diferenciado é justificado pela frequência e intensidade da violência de gênero no Brasil, conforme já reconhecido pela Lei Maria da Penha.

Apesar das limitações, Chaia acredita que a nova redação do Código Penal é um passo importante no enfrentamento às violências praticadas por meio da tecnologia. Mas reforça: “Sem educação digital, continuaremos enxugando gelo”.

Confira a entrevista na íntegra: