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Três Lagoas

?Em Três Lagoas, o voleibol não tem nada?

A entrevista da semana é com Antonio Carlos Campos Correa, o ?Da Lua?

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Carlos Campos Correa, o “Da Lua”, técnico de vôlei com muitas passagens em Três Lagoas e, atualmente sem interrupções desde 1995, é o responsável pela formação de vários atletas de nível nacional e internacional. Da Lua é daltônico e antes de confirmar o problema se envolveu em dois acidentes automobilísticos, acabando por ser “acusado” de viver no “Mundo da Lua”. Nascido em Três Lagoas, ele rodou por quase  todo o País. Começou jogando handebol e descobriu o vôlei em 1975, chegando a atuar profissionalmente em 78 e 79 na Prudentina, de Presidente Prudente (SP). Da Lua é contratado da Prefeitura e busca autonomia com a Associação Atlética Da Lua e é nível 3 da Confederação Brasileira de Vôlei. Fez Cursos de especialização com grandes nomes do vôlei nacional como Bebeto de Freitas, Bernardinho e José Carlos Brunoro.


Jornal do Povo: Como você avalia o atual momento do vôlei de Três Lagoas?

Antonio Carlos Campos Correa: Estamos passando momentos de transformação. Não sabemos ainda, não temos o direcionamento do que pretendemos fazer em termos de voleibol. O futebol tomou conta e estamos com dificuldades de focar o esporte em termos de resultados em campeonatos em nível de Federação, aqueles que você pode se classificar para campeonatos brasileiros. Montar projetos para 2016 como todo mundo está fazendo, eu fico pensando como podemos fazer para colocar um atleta de ponta lá?.  

JP: Especificamente 2009, foi muito difícil o trabalho nesse ano?

ACCC: Muito difícil. Comecei o ano com 53 atletas, no começo de novembro estávamos com 310 atletas e estou terminando com 36 atletas mais ou menos. A perspectiva para o ano que vem é de 100 alunos no máximo.

JP: No nosso papo antes da entrevista você falava em falta de reconhecimento. A que você atribui essa situação?

ACCC: Valorização do profissional. Eu me dedico muito, gosto muito do esporte e devo muito ao esporte. Esse débito é pelas opções que a gente tem quando é jovem e eu optei pelo esporte. Muitos amigos optaram pelo vício, pela sacanagem, por não trabalhar. Eu venho desde pequeno brigando pelo esporte. Brigava muito com meu pai para praticar. Meu pai achava que era coisa de malandro. A mentalidade das pessoas no Brasil muitas vezes era assim. Hoje está tentando mudar, mas ainda não está muito diferente.

JP: Mesmo com tantas conquistas do vôlei, tanto no masculino como no feminino, o Brasil ainda sofre muito dessa falta de consciência?

ACCC: Na última Olimpíada, vi entrevistas de alguns atletas que estavam no topo, disputando com os melhores do mundo. Alguns diziam que tiveram de vender moto, fogão, geladeira e outras coisas para representar o Brasil. Para mim isso é sacanagem. Eu vejo muito antes para poder analisar e falar sobre isso e Três Lagoas está muito fora do esporte. Está há muitos anos defasada. Nós, profissionais, não somos considerados como profissionais. Somos considerados empregados e não como deveria ser, ou seja, técnico esportivo. Por exemplo, eu sou nível três da Federação. Se você colocar o ponto em que está o voleibol do País, em termos mundiais, é colocado no topo. Em Três Lagoas, o voleibol não tem nada.

JP: O que precisa ser feito então para mudar isso?

CAAA: Mudar a mentalidade das pessoas. Recebi recentemente um telefone de um pai que não quer uma bolsa de estudos para o filho porque ficou sabendo de alguma coisa, ou seja, é muita fofoca. É preciso parar com isso. Tem que ser mais profissional e ter mais ética.

JP: O apoio da Prefeitura como está?

CAAA: Ela nos emprega com um contrato que vai até dezembro. Depois ficamos alguns meses sem receber nada. Temos que trabalhar com escolinhas, com infantil, juvenil, é preciso montar uma estrutura. Por exemplo, MS não tem técnico. Nós somos buscadores (sic) de bola, arrumadores de jogos de camisas. Temos que fazer a função de psicólogo, ser professor, técnico, limpar a quadra. Não existe técnico de voleibol. Quando falam para mim que eu não sirvo para ser técnico, fico contente porque técnico não tem por aqui. Para ser técnico é preciso uma comissão técnica com preparador físico, fisioterapeuta, médico, uma estrutura por trás. Se não tivermos isso, não vai para frente de forma alguma e o esporte fica taxado como coisa de malandro.

JP: É muito difícil “concorrer” com o futebol?

CAAA: É uma questão de opção. Os governantes têm essa opção. Acho que fica muito caro para concorrer e dar resultados ou superar o futebol no Brasil. Em termos locais, a estrutura de Educação Física, clubes desportivos, precisamos primeiro ter uma disciplina desportiva. E nós não temos essa disciplina. Então os nossos governantes também não tiveram isso. As pessoas que são leigas interferem muito e a falta de ética profissional aqui é muito intensa. Morei em vários lugares deste País e nunca vi um lugar como aqui. Consegui troféus, inclusive de primeiro lugar, mas não consegui passar aqui em Três Lagoas ainda sequer um terço do que aprendi com essas pessoas que eu fiz cursos.

JP: Por quê?

CAAA: Por falta de apoio. Há alguns anos, recebia meio salário mínimo e trabalhava de manhã até a meia noite. Um dos grupos em que trabalhei aqui foi no vôlei de praia, que é mais fácil de conseguir apoio porque são menos atletas. Ganhamos até campeonato mundial, só que um ano antes estávamos comendo um marmitex repartido em dois, só na hora do almoço e íamos para competições de carona para Campo Grande participar de um campeonato de cinco dias. Isso se tornou engraçado, palhaçada até para alguns, mas para mim é uma coisa muito séria e muito sacrificante.

JP: Em cima do que você acabou de falar, duas perguntas em uma: pela experiência que você tem no vôlei, na visão de hoje e em uma visão mais otimista, se as coisas melhorarem no futuro, Três Lagoas tem condições de colocar algum atleta nas Olimpíadas de 2016?

CAAA: As pessoas comentam que eu reclamo muito. E sinceramente, não é reclamar, é questionar. Eles confundem reclamar com questionamento. Você tem que sempre melhorar. Não passamos mais fome. A Prefeitura está nos apoiando em termos de Federação e nos dá transporte também, não viajamos mais de carona. Foi uma promessa que a Prefeitura fez à nossa Associação. É progressivo, mas isso deveria ser uma obrigação, é o mínimo que poderia ser. Mas passou, já foi pior, agora está legal. A partir de agora nós temos que ter uma infra-estrutura. Onde estamos treinando voleibol? Não tem onde treinar. Como fazer uma seleção de atletas para participar de campeonatos de Federação, que é seletiva para o brasileiro, jogar liga, campeonato paulista, se você não passa daqui?!… Já fui campeão várias vezes desses campeonatos e não passei daqui. Fui campeão algumas vezes no Estado e alguns atletas meus despontaram. Hoje estão em Portugal, no Banespa, pegaram seleção infantil, juvenil. Através disso, conseguiremos fazer alguma coisa. Tem que focar nisso. Nem vou dar exemplo meu. Nos treinos na Aden, vejo o pessoal do atletismo. Enquanto ver técnicos capinando para os atletas fazerem a corrida e serem campeões e baterem recordes, acho que já estão atingindo o máximo deles e não posso chamá-los de técnico. Quem capina poxa (sic), é o cara que toma conta do campo. Técnicos de atletismo que têm cursos de aperfeiçoamento e passam por esse tipo de coisa. Se não for feita uma estrutura não vamos chegar a lugar nenhum. Vai ficar sempre no poderíamos ter conseguido. Não consegue por causa dessas situações. Pela visão de hoje a resposta é não. O Zequinha Barbosa por exemplo, esteve por aqui, o professor Tó que eu gosto muito, trabalhou com ele, deu fundamentos, deu a base e ele foi embora. Assim serão nossos atletas. Hoje em dia o Brasil está perdendo muito porque ninguém mais quer fazer esse tipo de trabalho. Os atletas são formados e vão embora. Tem atleta meu jogando na Super Liga Nacional que nunca falou o nome da escolinha. Por isso que estou sempre começando. Meu projeto chama-se “Projeto Gerações”, é uma sequência. Então não dá para ser técnico e é isso aí que é a falta de reconhecimento.