Na série especial sobre os 110 anos de Três Lagoas, hoje o tema é política. Vamos relembrar um momento marcante da história democrática do município: a eleição de 1985, quando a cidade voltou a escolher seu prefeito pelo voto direto, após quase duas décadas de nomeações durante o regime militar. O protagonista dessa virada histórica foi o médico e advogado Antônio João Campos de Carvalho, eleito em uma campanha considerada improvável, mas que surpreendeu ao derrotar nomes tradicionais da política local.
Antônio João disputou o pleito com outros três candidatos: Miguel Tabox (MDB), Dr. Darcy (PDS) e Chico da Pastoral (ligado às comunidades eclesiais de base). Em um cenário de polarização e expectativa pela volta da democracia, ele se lançou como o “azarão”, como ele mesmo diz, numa campanha simples, mas com forte apelo popular. Seu slogan — “Acredite nos homens, tenha fé” — simbolizava a esperança de mudança em um novo tempo para Três Lagoas.
“Ganhei a eleição como aquele azarão que de repente aparece na política. Derrotei candidatos muito mais estruturados. O Miguel Tabox, por exemplo, era o nome forte do MDB. A diferença foi pequena: venci com 10.190 votos, com cerca de 960 votos à frente do segundo colocado”, relembra o ex-prefeito.
A eleição de 1985 representou mais do que uma simples troca de comando no Executivo: foi o símbolo da transição democrática em nível municipal. Após 17 anos de prefeitos nomeados por indicação federal, com base no Ato Institucional nº 5 (AI-5), a população voltava a exercer sua cidadania plena nas urnas.
Três anos de governo em tempos difíceis
O mandato de Antônio João se estendeu de 1986 a 1988, coincidindo com o dos vereadores — que sempre foram eleitos, mesmo durante o regime militar. Foram três anos desafiadores, marcados por uma grave recessão econômica no país, o chamado “Plano Cruzado”, o congelamento de preços e salários, e incertezas fiscais. O orçamento municipal na época era de aproximadamente R$ 1,4 milhão — uma cifra muito modesta se comparada aos dias atuais, quando o orçamento ultrapassa os R$ 1 bilhão.
“Fizemos aquilo que foi possível com o pouco que tínhamos. Não atrasei um dia sequer o salário dos servidores. Mas as ruas ficaram mais esburacadas e tivemos que pausar muitas obras”, lembra. Segundo ele, algumas dessas obras foram retomadas pelo sucessor, outras foram abandonadas.
Mesmo com os limites orçamentários, sua gestão deixou marcas importantes: reformou todas as escolas municipais da cidade, implantou quadras esportivas em várias unidades, criou hortas comunitárias nos bairros e estimulou o associativismo e a participação popular nas decisões públicas. “Criamos os clubes de mães, incentivamos a renda familiar com doações de máquinas de costura e fizemos o primeiro regimento interno dos professores municipais, tudo com muito diálogo”, destaca.
Outro legado marcante foi a criação da primeira Secretaria Municipal de Saúde, em 1986, com o médico José Augusto Moreira Guerra como titular.
A chegada da Champion e o embrião da industrialização
Foi também durante sua gestão que Três Lagoas começou a receber os primeiros contatos com o setor de celulose. A empresa Chamflora, representante da multinacional norte-americana Champion, iniciou sondagens e adquiriu áreas no município com vistas ao plantio de eucalipto.
“O movimento ainda era incipiente, mas começamos a perceber a compra de terras e aumento na arrecadação com o imposto de transmissão de bens. Demos apoio com maquinário e infraestrutura. Foi o embrião de tudo o que viria depois com a instalação da Fibria e, mais tarde, da Suzano”, lembra Antônio João.
O ex-prefeito também destaca a importância de sua gestão na integração política da cidade. “Não havia mando político, havia diálogo. Fizemos da política um instrumento de escuta e ação conjunta com a população. Isso mudou a forma como a cidade passou a se enxergar e se posicionar.”
Três Lagoas nos anos 1980
Na época, Três Lagoas tinha oficialmente entre 35 mil e 40 mil habitantes, embora, para fins políticos e de atração de investimentos, se falasse em até 70 mil. A cidade já fazia parte de Mato Grosso do Sul — o Estado havia sido criado em 1977 — e ocupava a quarta posição no ranking populacional, atrás de Campo Grande, Dourados e Corumbá.
Antônio João enxerga sua passagem pela prefeitura como um divisor de águas. “Colocamos Três Lagoas no cenário político estadual e nacional. Mostramos que podíamos participar de forma ativa do desenvolvimento do Estado. Criamos bases para o que a cidade viria a ser.”
Três Lagoas, 110 anos depois
Hoje, com mais de 130 mil habitantes, Três Lagoas se consolida como um dos principais polos industriais do Centro-Oeste, muito em função da trajetória iniciada lá atrás. A história de Antônio João Campos de Carvalho é parte indissociável dessa caminhada.
Na série especial dos 110 anos da cidade, sua eleição representa o renascimento da democracia local e o começo de uma nova era de desenvolvimento — feita com diálogo, participação popular e visão de futuro.