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História

110 anos de Três Lagoas: Jupiá é o berço de histórias e resistência às margens do Rio Paraná

Na semana em que Três Lagoas celebra seus 110 anos, reportagens especiais revivem a história da cidade

Formado às margens do rio, o bairro nasceu da pesca artesanal e da simplicidade das famílias que ali fincaram raízes. Foto: Arquivo
Formado às margens do rio, o bairro nasceu da pesca artesanal e da simplicidade das famílias que ali fincaram raízes. Foto: Arquivo

Na comemoração dos 110 anos de Três Lagoas, celebrados no dia 15 de junho, uma série de reportagens especiais contando a história de bairros que ajudaram a construir a identidade da cidade, serão exibidas nos programas jornalísticos da TVC e Rádio Cultura FM, e publicadas no JPnews. E a primeira reportagem é sobre o Jupiá — onde o passado resiste em cada rua, em cada lembrança dos moradores mais antigos e no curso eterno do Rio Paraná.

Formado às margens do rio, o bairro nasceu da pesca artesanal e da simplicidade das famílias que ali fincaram raízes. Nos anos 1950 e 1960, a chamada “Prainha” era ponto de lazer, trabalho e sustento. Seu Adamastor Carlos da Silveira, morador há mais de 60 anos, lembra bem da antiga vila dos pescadores. “Era uma viela com casas para cima e para baixo. Meu pai construiu um barraquinho ali. A gente vivia da beira do rio. Vendia pão, trocava coisas, tudo simples, mas cheio de vida”, recorda.

A travessia do trem de passageiros pela ponte Francisco de Sá, construída em 1926, também marcou a história do Jupiá. As crianças da vila se reuniam apenas para ver o trem passar. O trecho, hoje desativado, é uma lembrança viva do tempo em que o progresso cortava os trilhos da esperança.

Mas nem tudo era tranquilidade. As enchentes constantes forçavam os moradores a deixar suas casas. Famílias inteiras se refugiavam em barracas do Exército. O aposentado Adamastor conta que a água invadiu até as partes mais altas da vila. Foi então que, após indenizações e realocações, muitos receberam terrenos e passaram a viver no local onde hoje é o atual Jupiá. “Eles indenizaram quem tinha casa lá embaixo e deram terreno aqui. Era tudo areia. A gente ia de bicicleta pela linha do trem, porque não afundava, relembra ele.

Com o tempo, o progresso veio. O bairro foi asfaltado, recebeu escola, unidade de saúde e até uma agência dos Correios — a única instalada em bairro fora do centro urbano. Quem toma conta da agência é Rosângela de Sousa Faria, que conhece cada família pelo nome. “Aqui são muitas famílias grandes. Então organizo tudo por pastas, com o nome de cada uma. O morador vem e leva a correspondência da família inteira”, explica.

A escola, que funcionava no mesmo prédio onde hoje está a agência, tinha apenas até a 4ª série. O sino era um pedaço de trilho amarrado com arame. Ao som metálico, os alunos faziam fila.

Muitos, como o senhor Lídio Teixeira de Araújo, chegaram ao bairro vindo de longe. Ele veio da Bahia com a família há mais de 50 anos e construiu no Jupiá uma vida inteira. “Naquela época tinha muito peixe. Minha esposa lavava roupa no rio, e quando o rio baixava, o peixe batia nas pedras. Ela largava tudo e pegava o peixe ali mesmo. Era fartura”, lembra, com brilho nos olhos.

Hoje, aos 88 anos, ele lamenta que os peixes já não sejam os mesmos e que poucos ainda vivam da pesca. As lanchonetes à beira da Prainha foram demolidas, e as pousadas turísticas desapareceram com o tempo. A CESP indenizou muitos proprietários e mudou a paisagem da região.

Rosângela, que também pesca desde os cinco anos, conta que os filhos dos pescadores escolheram outros caminhos. “Muitos estudaram, viraram professores, policiais, advogados, até médicos. Saíram muitas histórias bonitas daqui”.

Das redes de pesca à urbanização, das enchentes à superação, o bairro Jupiá representa um pedaço essencial da alma três-lagoense. Com seus moradores, como Seu Adamastor, Rosângela e Seu Lídio, o bairro resiste e se renova, como símbolo de identidade e luta.

Na celebração dos 110 anos de Três Lagoas, Jupiá lembra a todos que a história de uma cidade não está apenas nas grandes avenidas, mas também nas vielas, nas casas simples e nas memórias de quem vive e transforma seu espaço todos os dias.