Veículos de Comunicação

DEBATE NO CONGRESSO

Dossiê revela danos dos agrotóxicos à saúde e destaca violações em Mato Grosso do Sul

Audiência pública na Câmara cobra políticas para reduzir exposição; relatório critica pulverização aérea e falta de fiscalização

Relatório critica pulverização aérea e falta de fiscalização - Foto: Divulgação/Cenipa
Relatório critica pulverização aérea e falta de fiscalização - Foto: Divulgação/Cenipa

As Comissões de Defesa do Consumidor e de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados realizaram, nesta quinta-feira (22), audiência pública para discutir os impactos dos agrotóxicos sobre a saúde reprodutiva, com base no Dossiê “Danos dos Agrotóxicos na Saúde Reprodutiva: conhecer e agir em defesa da vida”, publicado em 2024 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz).

O documento reúne um conjunto de evidências científicas que associam a exposição a essas substâncias a alterações hormonais e genéticas, infertilidade, partos prematuros, abortamentos espontâneos, malformações congênitas, cânceres e disfunções endócrinas.

Além disso, aponta a fragilidade da vigilância sanitária e a falta de políticas públicas que garantam proteção à saúde coletiva.

Mato Grosso do Sul: foco em comunidades indígenas vulneráveis

O Dossiê dedica atenção especial à situação de comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul, especialmente os Guarani-Kaiowá, que sofrem há anos com a pulverização aérea de agrotóxicos sobre seus territórios.

A prática, considerada uma violação de direitos humanos, afeta a saúde física e mental dessas populações, impactando de forma direta a saúde reprodutiva.

Um dos casos citados é o da retomada Guyraroká, em Caarapó, onde, segundo o relatório, “há pelo menos 15 anos são denunciadas, sistematicamente, pulverizações aéreas e terrestres ilegais sobre a comunidade”.

Em 2019, uma escola indígena foi tomada por uma névoa tóxica, resultando na intoxicação de grande parte da população local.

O Dossiê relata ainda que os Guarani-Kaiowá definem a pulverização como uma “arma química”, associada a outros tipos de violência, como ameaças e expropriação de territórios.

“O estado do Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, e os processos de vulnerabilização desses povos estão diretamente vinculados aos conflitos socioambientais com o agronegócio”, destaca o documento.

Exposição silenciosa e desiguais políticas de pesquisa

Durante a audiência, especialistas alertaram que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, mas não possui um sistema robusto de vigilância sobre os efeitos dessas substâncias.

De acordo com o Dossiê, entre 2010 e 2019 foram notificados mais de 56 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no país, sendo que cerca de 15% envolviam crianças e adolescentes.

O relatório também aponta uma desigualdade preocupante: enquanto o Centro-Oeste concentra o uso intensivo de agrotóxicos, essa mesma região detém apenas 7% das pesquisas científicas sobre seus efeitos.

“O Dossiê evidencia uma desigualdade regional alarmante: as regiões onde mais se utiliza agrotóxicos, como o Centro-Oeste, concentram menos pesquisas científicas sobre os seus efeitos”.

Em Mato Grosso do Sul, desde 2021 está em curso o projeto “Impactos dos Agrotóxicos em Comunidades de Povos Tradicionais”, que busca monitorar a qualidade da água e dos alimentos consumidos por indígenas e povos tradicionais, diante dos riscos associados à exposição química.

Saúde reprodutiva como alvo principal dos danos

O Dossiê detalha como os agrotóxicos impactam diretamente a saúde reprodutiva: provocam alterações hormonais e genéticas em células reprodutoras e embriões, aumentando os riscos de infertilidade, abortos e malformações.

Muitas das substâncias associadas a esses efeitos já foram banidas em outros países, mas seguem amplamente utilizadas no Brasil.

“O documento é um marco na luta contra os impactos negativos dos agrotóxicos no Brasil. Ele não apenas expõe os riscos à saúde reprodutiva, mas também fortalece a defesa de um modelo de agricultura mais saudável e sustentável”, destacou o deputado Nilto Tatto (PT-SP), um dos autores do pedido da audiência.

Ele completou: “Ao trazer evidências científicas e propor ações concretas, o Dossiê serve como um chamado à sociedade, aos governos e às instituições para que priorizem a vida e a saúde coletiva em detrimento de interesses econômicos predatórios”.

Pulverização aérea e flexibilização normativa

O Dossiê critica a manutenção da pulverização aérea como prática permitida no Brasil, embora seja proibida em diversos países da União Europeia. A pulverização é considerada especialmente danosa porque aumenta a dispersão de substâncias químicas no meio ambiente, atingindo também populações que não estão diretamente envolvidas na produção agrícola.

Além disso, a Abrasco alerta para a tendência de desregulamentação: entre 2019 e 2023, mais de 2 mil novos agrotóxicos foram liberados no país, muitos deles classificados como altamente perigosos para a saúde humana.

“Estamos vivendo um processo de desregulação acelerada, que favorece interesses econômicos em detrimento da saúde pública e da proteção ambiental”, reforçou Tatto.

Recomendações para políticas públicas e proteção à vida

O Dossiê apresenta recomendações como a proibição da pulverização aérea, a ampliação das pesquisas sobre os efeitos dos agrotóxicos, a criação de políticas públicas para a vigilância ativa da saúde reprodutiva e o fortalecimento da agroecologia como modelo produtivo alternativo.

Para a deputada Gisela Simona (União-MT), também autora do pedido da audiência, o debate é fundamental para “sensibilizar o Parlamento e a sociedade sobre a necessidade de rever o atual modelo agrícola e proteger a saúde das populações vulneráveis”.

“A ciência já mostrou os danos. O que falta é vontade política para mudar”, afirmou.

Próximos passos

Ao final da audiência, ficou encaminhada a proposta de encaminhar o Dossiê e as recomendações debatidas ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Meio Ambiente, além de solicitar a realização de novas audiências para aprofundar o debate e fiscalizar a implementação de políticas públicas relacionadas ao tema.