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Como o varejo e as microempresas podem sobreviver aos juros mais altos da década

Leia o Artigo, do Jornal do Povo, da edição deste sábado, 26

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Com a taxa básica de juros estacionada em 15%, o Brasil entra oficialmente no território do crédito proibitivo. A decisão do Banco Central de manter a Selic nesse patamar, justificada pela persistência da inflação acima da meta, criou um cenário em que o custo financeiro asfixia pequenas e médias empresas (PMEs) ao mesmo tempo em que enxuga o consumo das famílias. Trata-se da maior taxa nominal desde 2016, mas com impacto real amplificado por spreads bancários que chegam a ultrapassar os 20 pontos percentuais no segmento das microempresas.

De um lado, o custo do capital dispara, linhas que há um ano giravam em torno de 1,6% ao mês hoje ultrapassam 2,2%, comprimindo margens que já operavam no limite. Do outro, o consumidor pisa no freio. Em abril de 2025, o IBGE registrou queda de 0,4% no volume de vendas do varejo, revertendo um breve ciclo de recuperação. O índice de intenção de consumo da CNC também retraiu, e o tíquete médio em canais digitais recua em paralelo ao aumento de devoluções. A travessia, para o pequeno empresário, é árdua, com menos receita, mais custo e maior risco de inadimplência.

A crise de crédito não é homogênea, mas é especialmente aguda entre os pequenos. Enquanto grandes empresas podem negociar com condições preferenciais, PMEs dependem, em média, de financiamento bancário para formar estoque e honrar a folha. E os dados não são animadores. A pesquisa da Febraban mostra desaceleração do crédito empresarial, com crescimento mensal tímido de 0,7%. Startups e negócios que dependem de rounds de investimento também enfrentam um filtro mais rígido de retorno, maior exigência de garantias e retração no apetite dos fundos.

Com o juro real acima de 10%, o Brasil volta a liderar o ranking global de taxas mais restritivas ao setor produtivo. Ao contrário do que se observa em economias que usam juros baixos para estimular a inovação e o emprego, aqui o custo do dinheiro penaliza justamente quem mais precisa dele para crescer, ou sobreviver.

A travessia desse ciclo passa por disciplina financeira quase militar, reprecificação inteligente, revisão de canais e uso estratégico de programas públicos. A gestão de caixa precisa antecipar cenários em horizonte de 18 meses, ajustando custos e contratos indexados à Selic ou CDI. A precificação, por sua vez, não pode ser estática, é preciso acompanhar a inflação setorial e reposicionar produtos com criatividade, via combos, assinaturas, pacotes e planos pré-pagos que antecipem receitas sem aumentar o custo fixo.

Na frente digital, o e-commerce pode compensar parte da retração física, especialmente se combinado com ofertas de recorrência e tickets médios mais robustos. Já no crédito, é necessário fugir das armadilhas. Linhas como Pronampe ou o programa Acredita, lançado em 2025, oferecem melhores condições e podem viabilizar a manutenção da operação. A antecipação pontual de recebíveis com fintechs pode equilibrar o caixa, desde que usada de forma não recorrente.

Outro ponto-chave é a postura diante da renegociação. Bancos e fornecedores preferem negociar a enfrentar inadimplência. Mostrar um plano de ação claro, com projeções e medidas já adotadas, costuma abrir espaço para alongar prazos ou reduzir encargos. Produtos de baixa rotatividade devem ser evitados, e o modelo de consignação, quando possível, reduz a necessidade de capital parado. Para quem depende de insumos importados, a proteção cambial torna-se aliada estratégica.
O ciclo de juros elevados pode se estender até o início de 2026, segundo precificações da curva futura. Nesse intervalo, o governo tenta equilibrar medidas de incentivo produtivo com uma meta fiscal rígida e inflação resistente. O pequeno empreendedor, porém, não pode esperar por alívio externo. Sobreviver exigirá resiliência interna: enxugar desperdícios, proteger margem, manter o cliente ativo e fazer do fluxo de caixa uma bússola diária.

A Selic alta é anestesia forte contra inflação, mas o efeito colateral mais visível recai sobre quem tem menos gordura: o pequeno empresário. O varejo já sente a dor no faturamento; as microempresas sentem no boleto bancário. A saída passa por disciplina financeira, criatividade comercial e uso cirúrgico das poucas linhas de crédito mais baratas ainda disponíveis. Quem ajusta agora sai na frente quando a maré baixar, e ela sempre baixa.

Por Lucas Mantovani – sócio cofundador da SAFIE Consultoria