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Entrevista

Violência obstétrica e doméstica ainda silenciam mulheres, alerta defensora

Defensora pública fala sobre atuação na área de família, Tribunal do Júri e alerta para casos de violência obstétrica e doméstica

A defensora pública Stephany Giardini, que atua na 1ª Vara Cível de Três Lagoas, concedeu entrevista ao RCN Notícias, da TVC HD Canal 13.1. Vinda do Rio de Janeiro, ela está há apenas três meses no município e atua na área de Direito de Família e também no Tribunal do Júri. Na entrevista, falou sobre o papel da Defensoria Pública, os principais atendimentos realizados na cidade, a importância do acesso ao Judiciário para pessoas em situação de vulnerabilidade e alertou para temas sensíveis, como a violência obstétrica e a violência doméstica contra a mulher — esta última ainda é um dos principais motivos de procura por atendimento jurídico.

A senhora chegou recentemente à cidade?
Stephany Giardini
Sim. Tomei posse em fevereiro e comecei em Três Lagoas no dia 1º de abril. Estou amando a cidade e espero ficar bastante tempo.

Quais os principais casos que chegam à Defensoria de Família?
Stephany Giardini
Pensão alimentícia, divórcios, partilha de bens e exoneração de pensão. São situações familiares que exigem muito cuidado.

Geralmente as mães procuram a Defensoria por conta da pensão?
Stephany Giardini
Sim. Quando o relacionamento acaba, muitas vezes os pais deixam de cumprir com a obrigação financeira. Nosso papel é garantir esse direito às mães e aos filhos.

Quem pode procurar a Defensoria Pública?
Stephany Giardini
Pessoas em situação de vulnerabilidade, que não conseguem arcar com os custos de um advogado sem prejudicar o próprio sustento.

A Defensoria atua não apenas na área individual, mas também coletiva?
Stephany Giardini
Atuamos também em demandas coletivas, como acesso à moradia e à saúde pública. A Defensoria está presente em várias frentes.

Falando agora da Semana Estadual de Combate à Violência Obstétrica, celebrada em Mato Grosso do Sul entre os dias 23 e 29 de junho, gostaríamos de entender melhor o que é a violência obstétrica?
Stephany Giardini
É quando a mulher tem sua autonomia violada durante a gestação, parto ou puerpério — seja por agressão verbal, física, procedimentos desnecessários ou desrespeito às suas escolhas. Muitas vezes, as mulheres sequer sabem que passaram por isso.

Um exemplo seria quando a mulher deseja um tipo de parto e não é ouvida?
Stephany Giardini
Exatamente. Também quando sofre xingamentos, manobras sem consentimento ou quando o bebê é retirado dela imediatamente, sem necessidade médica. Tudo isso tira da mulher o direito de decidir sobre seu próprio corpo em um momento tão sensível.

Existe lei que trata disso?
Stephany Giardini
-Ainda é um projeto de lei, mas é possível acionar judicialmente com base em outras legislações, como o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana.

O caso da Alyne Pimentel é um exemplo disso?
Stephany Giardini
– Sim Alyne Pimentel, uma jovem negra, que morreu em 2022, aos 28 anos, gestante e vítima de negligência médica. O caso dela levou o Brasil a ser o primeiro país condenado por morte materna pelo Sistema Global de Direitos Humanos em todo o mundo. Ela procurou atendimento com cólicas e foi negligenciada. O bebê morreu e, depois, ela também faleceu. O Brasil foi condenado internacionalmente por violar os direitos dela e do feto. Esse é um caso emblemático de violência obstétrica.

Quando as mulheres devem procurar a Defensoria nesses casos?
Stephany Giardini –
Sempre que sentirem que sua autonomia foi violada no período da gestação ou do parto. Não é normal serem silenciadas nesse momento. A Defensoria está pronta para acolher essas demandas.

Queixas sobre violência doméstica também são muito registradas na Defensoria Pública?
Stephany Giardini Infelizmente-
sim. A violência doméstica é uma das principais causas que levam mulheres à Defensoria Pública. A forma mais comum ainda é a violência física, mas é importante que as mulheres saibam que há outros tipos de violência: a psicológica, quando há humilhação, ameaça ou manipulação emocional; a moral, quando a mulher é difamada, xingada ou tem sua imagem atacada; a sexual, que acontece quando a mulher é forçada a manter relações contra a vontade; e a patrimonial, quando o agressor controla os bens, destrói documentos ou impede a mulher de trabalhar. Muitas mulheres só procuram a Defensoria quando chegam no limite. Nosso trabalho também é de orientação, acolhimento e informação, para que elas saibam que não precisam esperar a agressão física para buscar ajuda. Toda mulher que se sente oprimida dentro de uma relação tem o direito de buscar proteção e justiça.

E quando a mulher é impedida de fazer uma laqueadura? Isso é violência obstétrica?
Stephany Giardini –
Sim, porque fere o direito de decidir sobre o próprio corpo. Isso deve ser denunciado e pode ser levado à Defensoria.

Ir até a Defensoria é simples?
Stephany Giardini –
Muito. A Defensoria Pública de MS é referência no país. A equipe é dedicada, humana e acessível. Se não pudermos atuar, explicamos o motivo, mas ouvimos cada pessoa com atenção.

Como tem sido sua atuação no Júri?
Stephany Giardini –
Um desafio que amo! Já atuei em dois júris desde que cheguei. Gosto muito desse trabalho porque representa a Justiça sendo feita com participação direta da sociedade. Mesmo não sendo designada diretamente, pedi para atuar porque acredito muito no papel do Tribunal do Júri como forma democrática de julgamento.

Para encerrar, um recado à população
Stephany Giardini –
As portas da Defensoria estão sempre abertas — para todos. Mulheres, homens, idosos, pessoas trans, qualquer cidadão que se sentir violado em seus direitos. Estamos aqui para acolher, ouvir e buscar justiça. Mesmo quando não há possibilidade jurídica de atuar, escutamos com atenção. Às vezes, a Defensoria é a última porta que a pessoa bate. Por isso, garantimos um atendimento humanizado e respeitoso.